Scribblenauts Unlimited - Análise
Palavras mágicas.
Quase um ano depois do lançamento americano de Scribblenauts Unlimited nas versões Wii U e 3DS, o jogo produzido pela 5th Cell chega finalmente ao nosso território, embora pudesse ser jogado para o PC desde Dezembro do ano passado. Contudo, para as consolas da Nintendo, os fãs desta inventiva série podem começar a dar asas à grande imaginação que grassa nesta nova edição. Scribblenauts é uma série conhecida pela particularidade com que são resolvidos puzzles e por ser uma aventura que recheia a experiência de surpresas, exploração sobre cenários e personagens 2D e um humor desmesurado. Há um traço estético muito forte e vincado neste título. Com grandes amarras à animação, à banda desenhada e até a séries como Os Simpsons, a forte identidade deste jogo não passa despercebida a ninguém. Aqui quase tudo acontece um pouco como queremos, mas são as consequências das criações e a dimensão bizarra dos resultados que impressionam.
Os fãs de longa data conhecem a série desde 2009, quando Scribblenauts foi lançado para a Nintendo DS, iniciando aí uma forma inovadora de resolução dos puzzles através do ecrã táctil. A sequela, para a mesma plataforma, foi lançada em 2010, dando um novo ímpeto às palavras. Com Scribblenauts Unlimited, o salto na qualidade do produto é significativo, especialmente na versão Wii U, que em termos de funções se revela melhorada por comparação com a versão portátil e ainda beneficia de um tratamento de alta definição que encaixa como uma luva no design do jogo. Entre as funções mais relevantes está o modo cooperativo, que permite a partilha da experiência até quatro jogadores, cada um deles tocando em diferentes objectos com que pode interagir, embora seja algo superficial. Depois, existe ainda o editor de objectos, uma ferramenta útil que permite trabalhar sobre os objectos disponíveis, modificando-os ou alterando a sua estrutura num sentido que tenhamos em mente.
Estas são também algumas das funções que permitem distinguir a versão Wii U da congénere para a 3DS. Se esta não possui um modo cooperativo, nem um editor de objectos, as funcionalidades oriundas do StreetPass, através das quais podem observar uma série de objectos editados por outros jogadores com quem se tenham cruzado, servem de bónus e de factor diferenciador na comparação com a versão para a Wii U. Depois ainda podemos contar com o benefício da apresentação do grafismo num efeito estereoscópico, algo que realça as personagens, fundos, e outros elementos do cenário graças à profundidade permitida pelo efeito 3D. Porém, a versão Wii U tem a vantagem de transmitir mais cores e uma definição mais clara, resultando num efeito visual mais apelativo. Apesar disso, a versão portátil de Scribblenauts Unlimited também funciona muito bem em portátil e este é um daqueles jogos que podemos levar para todo o lado e continuar a resolver estes puzzles, longe do televisor, com a mesma facilidade com que jogámos na versão caseira.
Um dos grandes elementos de Scribblenauts Unlimited é a sua estrutura em forma de mundo aberto. Desta forma o jogador explora diferentes áreas e acede a mais cenários e contextos de aventura, sem se encontrar confinado ao mesmo território e a uma progressão linear. Isto quer dizer que a qualquer altura, estando com dificuldades na resolução de um puzzle, é possível saltar para outro ponto do mapa, bastando para isso tocar no ícone com um desenho do mundo afixado no canto superior direito do ecrã táctil e escolher o ponto onde pretendem continuar a aventura.
A razão por esta abertura ao mundo ter acontecido deve-se à utilização indevida que o protagonista (Maxwell) e a sua irmã (Lily) andaram a fazer com o bloco de notas mágico que pertencera aos pais e lhes fora deixado. Perturbando a vida das pessoas ao criar objectos que ganham vida a partir das palavras que escreviam no bloco de notas, um desses visados, furioso com a brincadeira, infligiu um feitiço na irmã de Maxwell, que a deixou com pernas e pés como blocos de cimento. A fim de restabelecer a sua condição natural, Maxwell terá que restaurar o equilíbrio no mundo, resolvendo todos os dilemas, problemas morais e muitas situações que afectam o quotidiano das pessoas. Se o fizer, recolherá Starites, as estrelas que, quando obtidas em número suficiente, poderão devolver Lily ao seu estado original, pelo que a missão torna-se urgente e imperativa.
Por todos os sítios que Maxwell irá passar, há pessoas a requerer auxílio. Para as encontrar basta tocar no ícone Starite, que logo oferece uma perspectiva que assinala a amarelo as situações que requerem conserto. A variedade de pessoas, solicitações de ajuda e cenários é de tal modo avassaladora e diferente, que os próprios contextos parecem inscrever-se em capítulos que se resolvem sem uma linha de progressão, mas antes de acordo com a vontade e interesse do jogador. Esse é um dos pontos mais importantes e que melhor serve a estrutura engenhosa dos puzzles, pois tanto podem estar a resolver os problemas dos bombeiros num quartel, como de seguida passar para a estação do metro, um parque urbano ou para um liceu
Como já referimos, Scribblenauts é deveras inventivo na forma como os puzzles se encontram estruturados. Mais uma vez, ao encontrar uma personagem em apuros, Maxwell serve-se do seu bloco de notas mágico, podendo realizar uma de duas hipóteses. A primeira passa por escrever no bloco um nome de um objecto que pretende trazer para a realidade do jogo. Pode ser um carro, um instrumento musical, um avião. Qualquer coisa. O importante é que seja adequado ao problema revelado por aquela pessoa, pois a partir do momento que o objecto ganha vida, há uma consequência a ocorrer. Outra possibilidade é escrever um adjectivo sobre a pessoa, como forma de a tornar maior, pequena, por exemplo. Tudo é possível.
Mas convém ter atenção aos seus dilemas e necessidades, pois muitas vezes não é claro o motivo da ajuda ou não é tão fácil descobrir o objecto correcto. Se porventura falharem nesse auxílio, assustando a pessoa com o objecto que trazem à realidade, ou se a incapacitarem por qualquer outra forma (incêndio ou afogamento), o mais certo é perderem a possibilidade de recuperar a respectiva Starite. Porém, não é uma situação irremediável, pois a todo o instante podem fazer um recomeço ao nível, tendo à disposição as definições originais.
Importa, no entanto, sublinhar o seguinte: Scribblenauts não está localizado para português. Todos os diálogos, contextos e explicações estão em inglês, pelo que as respostas para todos os puzzles terão forçosamente que ser dadas na mesma língua. Nessa medida, não é uma experiência recomendável para qualquer pessoa. Um das condições de acesso a este jogo é precisamente o bom domínio do inglês. Não estamos a falar de um nível profissional, mas convém uma base sólida de conhecimentos, pois a mecânica do jogo assenta na colocação de palavras adequadas dentro de certos contextos que o jogador terá de identificar, com identificações do problema em inglês a requererem respostas em inglês. No entanto e numa perspectiva oposta, até poderá ser um desafio adicional para quem está a aprender e a trabalhar com o inglês.
De resto, o jogo possui uma opção que permite identificar melhor a palavra que pretendem introduzir, dando uma série de resultados alternativos em função de uma opção que tenham em vista. Se colocarem "table", por exemplo e clicarem na opção que vos abre resultados alternativos, terão outras hipóteses à disposição, mais concretas e específicas. No caso de optarem por colocar um adjectivo, podem adicionar mais do que uma palavra, experimentando diferentes hipóteses.
Durante certas porções do jogo, será possível jogar com outras personagens; os irmãos de Maxwell, nalguns casos de forma obrigatória, noutros por opção. Outra novidade é a bolsa mágica, onde podem depositar e guardar pelo tempo que quiserem alguns objectos. Não é que tenha sido frequente o uso do saco para guardar objectos raros. Porém e se for um objecto com algum interesse para utilizações futuras, podem sempre guardá-lo, evitando que reescrevam a palavra e pensem nela noutro momento do jogo. Assim, só terão que a arrastar do saco para o nível.
Jeremiah Slaczka, o criador do jogo, tinha prometido que ia adicionar uma série de personagens e objectos do universo Nintendo. E a realização desse desejo dos fãs está lá, que assim podem dar vida a um Super Mario, Donkey Kong, cogumelo mágico, Bowser, entre muitos outros. Basta escrever o nome e deixar a magia acontecer.
Apesar de em muitos momentos dar a impressão que qualquer objecto minimamente conexo com o pedido da pessoa, resulta na obtenção de uma Starite ou fragmento de Starite (para os pedidos isolados dentro de cada cenário), nem sempre as escolhas se revelam certas. É verdade que os produtores facilitaram a tarefa ao jogador ao juntarem, para além da revelação do dilema da pessoa, um balão com um objecto parecido com aquele que devem obter. Mas nalgumas situações a opção certa não é obvia, pelo que se falharem terão de arrastar o objecto indesejado para o saco do lixo.
Noutros momentos, só conseguirão obter a Starite se acertarem uma série de desafios em sequência. Por exemplo, há um rapaz que prende engatar uma miúda. Terão que o vestir a preceito para um encontro, perfumá-lo, dar-lhe um veículo de transporte (eu criei uma bicicleta e funcionou), levá-los a jantar e, no fim, encontrar um padre para os casar. São muitas destas missões que acrescentam mais algum divertimento à jogabilidade, pois são sequências interligadas, cheias de pequenas animações e que podem levar a uma transformação completa do cenário.
Ainda nestas sequências, há outra particularidade. Se tardarem em descobrir o objecto ou adjectivo adequado a mudar a personagem, ao fim de algum tempo o jogo desbloqueia uma dica em forma de pista sobre qual o objecto que devem criar. Existem três dicas e quase sempre com a última se revela a palavra certa, pelo que não será muito complicado obterem todas as Starites principais. As fracções de starites é que são mais complicadas, embora no geral, este não seja um jogo particularmente exigente.
Em termos de animações e grafismo, Scribblenauts Unlimited dá um grande passo em frente. Mas o melhor é o seu rico conteúdo. Todas as personagens contam uma história dentro do seu problema e, no final, mais parece que passamos o tempo todo a encontrar as chaves certas para entrar numa multidão de baús, e a espalhar pura insanidade. Se formos espertos, malucos e inventivos no que queremos dar a cada personagem, o jogo brinda-nos com uma reacção ainda melhor, nalguns casos inesperada, mas sempre dotada de uma transformação, de um acontecimento que vibra. E esse é o grande mérito deste inventivo jogo de puzzles que devia ser experimentado por todos, mesmo que a principal mecânica seja a mesma do princípio até ao fim. Mais do que um propósito educacional vislumbrável nas suas entrelinhas, é uma produção original e dotada de um humor arrebatador.