Será Dead or Alive um guilty pleasure?
Jogo da Tecmo não é só meninas de enormes seios.
Em 2016 serão assinalados 20 anos de existência da série Dead or Alive, uma série de jogos beat'em up da agora Koei Tecmo, criada por Tomunobu Itagaki no seu estúdio Team Ninja. Ao longo de 5 jogos principais e algumas versões melhoradas (menção obrigatória de Dead Or Alive Ultimate para a Xbox), a série tem nos últimos tempos concentrado mais controvérsia do que seria saudável ao focar-se demasiado nos aspectos quase eróticos do jogo. Fazendo quase esquecer que este é um jogo de luta com um gameplay próprio e altamente divertido. Ao longo de quase 20 anos que passei com a série, sempre a encarei com um gosto próprio e sempre lhe encontrei méritos seus que vão muito além de seios a saltitar. No entanto, quanto mais os anos passam e depois das incursões no mundo do volleyball, a série parece ter-se tornado numa espécie de guilty pleasure, aqueles jogos que jogamos mas até temos algum receio em admitir. Isto deixou-me a pensar na série e nos jogos que joguei ao longo dos anos.
Apesar de se ter estreado em 1996 nas Arcades e SEGA Saturn no Japão, foi somente em 1998 que tive o prazer de conhecer a série. Numa era em que a transição dos jogos a 2D para 3D ainda impressionava, no meio de tantos produtos como Battle Arena Toshinden, Bushido Blade, Tekken, Virtua Fighter ou até Soul Blade, Dead or Alive distinguia-se pelo seu gameplay rápido e furioso. Apesar de na superfície tudo parecer muito simples e demasiado rápido para ser saboreado, aos poucos e poucos essa sensação de imediatismo ia convivendo com uma certa profundidade que nos permitia retirar mais do jogo e dos seus personagens. Olhando para trás, o grande destaque aos inúmeros fatos das personagens femininas e os seus seis sugerias o poderia vir a surgir mais tarde mas Dead or Alive era mais do que isso.
Dead or Alive foi um jogo altamente divertido que na sua primeira incursão incluía 11 personagens (7 deles masculinos) todos eles com fortes personalidades, peculiares e com imensa capacidade para criarem fãs. Jan Lee, a espécie de cópia de Bruce Lee, e Ryu Hayabusa, o espectacular ninja, rapidamente se tornaram em dois favoritos pessoais. Os combos rápidos e acessíveis, os grabs simples mas repletos de estilo visual, a velocidade furiosa a que os combates decorriam e a simplicidade de utilizar cada personagem, mesmo com 11 estilos de luta diferentes, faziam com que desse um gozo enorme jogá-lo.
Dois anos depois, quando a febre de SoulCalibur ainda estava em alta, chegou à Dreamcast o espectacular Dead or Alive 2. Antes da versão melhorada para a PlayStation 2, no ano 2000 a consola da SEGA recebeu uma sequela com visuais espectaculares e ainda mais loucura. Os combates regressavam mais furiosos ainda, decorriam a maior velocidade, mas novos elementos gameplay equilibravam com uma necessária profundidade. Todos os personagens do primeiro, à excepção do boss, estavam de regresso e entravam 4 novos: três homens e uma mulher. Cenários com melhor qualidade, com a capacidade de enviarmos os adversários para outras partes do mesmo cenário, mais elementos 3D ao redor dos personagens e incríveis efeitos visuais faziam com que o gameplay melhorado da série fosse elevado a novos patamares. Em muito ajudou o aparato visual de grande qualidade.
Mais ainda do que no original, Tomunobu Itagaki deu atenção especial aos seios das raparigas e aos fatos escandalosos. Assim começou Dead or Alive a revelar a sua identidade. Um jogo altamente divertido de jogar, com um sistema de combate mais acessível que o da maioria mas ainda assim sem espaço para os que martelam aleatoriamente os botões. Era precisa alguma disciplina. Tudo isto escondido atrás da tentativa de capturar jogadores com visuais fantásticos nos quais as mulheres eram usadas para exibir fatos e atributos físicos.
O próprio Itagaki referiu que a série nasceu da vontade de criar um produto que vingasse, um vai ou racha, um Dead or Alive. Os combates exemplificam bem essa mentalidade, o feroz matar ou morrer sem piedade. Nada de brutalidade visual exagerada, nada de violência física, aqui as artes marciais reinam em combates que decorrem de forma simples e fluída devido ao fácil sistema de combinações. Caso o jogador queira elevar a experiência, o sistema de grabs e counters começava na sequela a ganhar mais importância. A especial relação entre holds, throws, e blows tornou-se na imagem de Dead or Alive para os que se apaixonaram pelo gameplay e não pelo desfile visual de fatos de banho.
Se no original, Dead or Alive parecia querer relacionar-se com Virtua Fighter, na sequela parecia seguir num sentido completamente oposto pois era mais veloz/furioso, mais descontraído e até cómico. Ainda assim, a série da SEGA podia ser sentida no ADN de Dead or Alive. Desde a forma como os contra-ataques podiam ditar a vitória num combate, passando pelos throws, a sequela tornou-se num jogo ainda mais competente. Especialmente gratificante foi a introdução do modo de luta Tag Team, no qual dois personagens lutam contra outros dois. Aqueles combos e grabs eram do outro mundo.
Em Março de 2012 chegou o fantástico Dead or Alive 3 para a Xbox. Se na sua génese Dead or Alive é uma série dedicada ao público mainstream que procura algo fácil e acessível, este terceiro capítulo foi o seu expoente máximo até à altura do seu lançamento. Ainda mais fácil de assimilar, mais imediato e ainda mais furioso, o gameplay de DOA3 combinado com luxuosos visuais, tornou este jogo numa referência para qualquer pessoa que quisesse comprar a consola da Microsoft. Os cenários dotados de qualidade e detalhe visual pareciam um sonho no qual os personagens se moviam de forma graciosa.
O seu louco enredo, focado na DOATEC e na aldeia de Ninjas de Ruy Hayabusa, servindo de ligação com a série Ninja Gaiden também do mesmo estúdio, continuava confuso mas os combates melhoravam a cada novo personagem que se estreava. A variedade de estilos ia crescendo e a forma como se pegava no jogo com relativa facilidade, sem que o martelar de botões fosse jamais perdoado, faziam de Dead or Alive algo especial. Apesar de simples quando comparado com outros do género, algo que persiste deste o primeiro até aos dias de hoje, DOA3 ainda é considerado com um dos mais importantes lançamentos na série e não desiludiu os fãs.
A nível pessoal, o terceiro jogo foi um incrível momento que tive todo o gosto em conhecer mas o expoente máximo chegou em 2006 com Dead or Alive 4 para a Xbox 360. Este novo jogo oferecia 22 personagens que combatiam com todo o estilo da série em arenas com vários locais e eram momentos incríveis quando os personagens eram projectados. Os visuais subiam de qualidade a cada novo jogo e os personagens novatos eram adições de valor, acrescentando novos estilos de luta e identidades ao universo. Pelo outro lado, a chegada de modos online e o renovado interesse pelo Tag, Time Trial e Survival tornavam este num dos mais competentes lançamentos da série até hoje.
A tradição de bosses estranhos e difíceis de derrotar, chegou a um extremo desesperante com Alpha-152 em DOA4. Aquela última batalha conseguia mesmo levar à loucura. DOA4 deu um ar mais sofisticado e profundo à série, um passo na direcção certa que beneficiou da ausência de concorrência por muito tempo. Os modos online eram uma novidade no mundo dos jogos de luta e sendo um dos primeiros, brilhou por todos os motivos certos. Claro que ainda continuavam a ser promovidas as meninas e os seus seios através de fatos de banho mas aqui, mais do que em qualquer outro, sentiu-se que Dead or Alive era um jogo de luta e tinha todo o direito ao seu espaço. Aliás, é muito provavelmente um dos melhores do seu género da anterior geração.
Antes de chegar ao quinto título, sinto a obrigação de falar em Dead or Alive Ultimate e Dead or Alive Dimensions, para a Xbox e Nintendo 3DS, respectivamente. O primeiro é de 2005 e o segundo de 2011 mas ambos são produtos fantásticos com as suas qualidades e méritos diferentes. Utimate colocou no mesmo disco o original Sega Saturn e um remake de DOA2, com o motor do terceiro jogo e ainda ajustes no gameplay. Fenomenal jogo com o qual passei grandes temporadas. Já Dimensions foi o primeiro jogo para uma plataforma Nintendo e a possibilidade de jogar Dead or Alive nos seus moldes tradicionais em formato portátil.
Dead or Alive 5 já representa uma nova fase na série e no estúdio que a desenvolve. Depois da controversa saída de Itagaki, Yosuke Hayashi tomou as rédeas da série e criou um jogo que podia ser descrito como uma verdadeira evolução dos beat´em up de nova geração. A qualidade visual, a fluidez dos combates e ainda a interactividade com os cenários, cada vez mais dinâmicos, ilustravam bem todas as forças de Dead or Alive, elevadas a novas alturas. Tudo em DOA5 parecia ser um claro avanço sobre o excelente DOA4.
DOA5 tem tudo o que de bom os anteriores tinham mas com melhorias. Os visuais de incrível qualidade nos quais os personagens conviviam de maneira brutal com os cenários, com cada vez mais elementos dinâmicos, tornavam o jogo num produto muito bonito de ver. O sistema de combate, no qual o triângulo de mecânicas de jogo tinha a sua ordem a ser aprendida e respeitada, e os vários modos de jogo tornavam o produto altamente competitivo. No entanto, desde o lançamento original em 2012, DOA5 voltou numa versão Plus para a Vita e numa versão Ultimate para Xbox 360 e PS3 em 2013, para agora em 2015 voltar com uma aparente versão definitiva chamada Last Round para PS3, PS4, Vita, Xbox 360, Xbox One e PC onde a controvérsia se adensa a cada lançamento..
Quer isto dizer que há sensivelmente três anos, a Koei Tecmo tem apresentado edições anuais do mesmo jogo com direito a pequenas melhorias e novos personagens. A ideia de uma versão base gratuita que depois podemos aumentar comprando conteúdos é interessante mas DOA5 tornou-se numa espécie de sátira da própria série e parece representar tudo o que de errado havia para errar. Depois de um equilíbrio entre diversão, postura relativamente sóbria e tentativas de ir ao erótico sem correr o risco do jogo não ser editado, a série parece ter-se entregue em demasia às insinuações sexuais. Os fatos conquistaram mais destaque que os combates.
Toda esta jornada pela história foi motivada pelo meu recente dilema com Last Round. Sendo dono de DOA5, as consequentes versões passaram-me ao lado mas esta mais recente parece ser uma edição definitiva que gostaria de jogar. Gráficos 1080p a correr a 60fps numa nova consola, mesmo estando perante mais um "remaster", fiquei intrigado em conhecer os novos personagens e possíveis melhorias. Até porque adorei DOA5 muito graças ao tom ainda mais dinâmico dos combates, devido aos cenários e à sua interacção com os lutadores. No entanto, fiquei a pensar se seria um jogo a evitar devido ao seu conteúdo mais "atrevido" e instalou-se a questão: "Será que hoje em dia Dead or Alive é uma espécie de guilty pleasure do qual devemos ter vergonha?"
Apesar da estratégia ridícula da Koei Tecmo para DOA5, a constante aposta e promoção do jogo através de fatos de banho ou fatos que apenas servem para mostrar como os seios das meninas abanam, os preços ridículos para os conteúdos de quem quer expandir a versão Core Fighters (€4 por cada personagem, sendo no total 28??) e Passes de Temporada a €90 só porque vamos ter fatos atrevidos, deixam-me um pouco triste com a direcção que a série está a tomar. O festim visual da série vai muito mais além do que meros fatos e toda a concentração nesta temática deixa-me preocupado. O próprio Itagaki lamentou este facto e declarou, bem a meu entender, que a série Xtreme era mais indicada para isso e que a série principal se devia focar nos combates.
"Qual o propósito da versão Core Fighters? Gratuita, é certo, mas para termos o modo História e os personagens que faltam são precisos quase €130! Não faz sentido."
A presença de personagens convidados de Virtua Fighter é um toque espectacular, o regresso de alguns personagens como Ein foi excelente e até as novas adições são interessantes. No entanto, DOA está-se a tornar, mais do que nunca, num perigo em termos visuais porque se estão-se a centrar demasiado no que não deviam. A ideia que fica é que a Koei Tecmo está a querer à força aproveitar o comboio e tirar proveito de tudo o que está errado nesta geração, e da forma errada, denegrindo o nome da série e afastando a percepção do público geral do que realmente importa.
Que Dead or Alive é uma série de jogos de luta, com visuais espectaculares, cenários dinâmicos e um ritmo de luta elevado, isso é o que devemos ter em conta. Desde cedo que a série pretendeu oferecer uma sensualidade acima do normal, mas também é uma série de jogos altamente divertida, acessível e que pretende fugir da busca de realismo e seriedade de muitas. Aposta em visuais que combinam sério com anime para combates de alto ritmo com um tom de loucura aceitável, formando uma personalidade distinta.
Dead or Alive ainda é uma série peculiar e distinta mas vergonha para a Koei Tecmo por dar a entender que isto é algo sexual e que precisamos nos concentrar nos pacotes de fatos extra a €50. Vergonha por não salientar as mecânicas de combate, que os visuais são espectaculares, e não é pela forma como os peitos se movimentam, e que apesar de ficar atrás de outras, Dead or Alive nem sequer procura o nível de realismo delas, apenas quer ser louco e furioso. Pena que se tenha tornado num guilty pleasure.