Sexismo nos Videojogos
A moral da diferença.
O último número da revista EDGE dá conta de mais um episódio de sexismo, ou melhor machismo, no mundo dos videojogos. Zoe Quinn co-criadora de "Depression Quest" (2013), um pequeno jogo independente de ficção interativa sobre os dramas da depressão, tem sido atacada e humilhada desde Dezembro [1], altura em que em o jogo foi colocado no Steam Greenlight. Nada faria antever estes ataques, uma vez que o jogo já anda aí há algum tempo, e como ela própria diz "sobreviveu" sem grandes problemas à passagem pelas comunidades YouTube, Reddit e 4chan. O que é que despoletou então toda esta raiva e ódio? O que é que se passa na cultura de videojogos que recorrentemente despoleta episódios deste teor?
As razões que provocam estes choques no mundo dos videojogos, não são muito difíceis de descortinar. Nomeadamente se associarmos o que aqui se passa às mais recentes descobertas no campo da psicologia a propósito da moralidade humana. Paul Bloom, investigador na área da psicologia na Universidade de Yale, tem vindo a trabalhar os processos como se desenvolve o sentido de moral nos humanos, procurando perceber até que ponto já nascemos com algum sentido de moralidade inscrita na nossa biologia. Os seus estudos com bebés de 3 e 5 meses deram resultados muito encorajadores para compreender melhor tudo isto [2].
Nesse sentido acreditamos hoje que já nascemos com um sentido moral do que é bom e do que é mau. Nomeadamente esta divisão é feita em função da socialização. Os bebés preferem os indivíduos que ajudam os outros, e reagem negativamente para com aqueles que magoam os outros. A lógica biológica desta atitude é simples, a regulação natural da preservação da espécie, que depende de um grupo. Os elementos da espécie humana não conseguem sobreviver sozinhos, precisam sempre do grupo para lutar contra as adversidades do sistema natural em que estão inseridos. Mas se assim é, como é que se explica então que os indivíduos desatem a atacar-se uns aos outros, terão algum problema genético?
"Nos estudos de Paul Bloom, os bebés gostavam de ver castigados, os outros bebés que não comiam os mesmos cereais que eles."
Não. O que acontece é que este sistema de preservação da espécie através da socialização, não se constrói apenas na base da filtragem entre quem é bom e quem é mau, indo mais longe, identificando as diferenças. Ou seja, a tendência para nos juntarmos aos indivíduos que agem corretamente, funciona apenas, quando esses indivíduos são iguais ou semelhantes a nós. Nos estudos de Paul Bloom, os bebés gostavam de ver castigados, os outros bebés que não comiam os mesmos cereais que eles. A diferença permite facilmente identificar quem é do nosso grupo. Isto é importante em termos de preservação da espécie, porque permite compreender que um indivíduo pode estar a agir incorretamente, mas que apenas o está a fazer em defesa do nosso grupo. No fundo, a preservação é sempre feita em termos da sobrevivência de cada individuo, como este só pode sobreviver em grupo, essa lógica é alargada a um grupo de indivíduos próximos, mas tem limites, e esses limites são definidos pela diferença. Quem é igual a mim, deve ser protegido, quem é diferente de mim é desprezível, e pode ser eliminado.
Isto explica o que aconteceu com a entrada de "Depression Quest" no Steam Greenlight. O facto do jogo ser baseado em texto, com forte componente narrativa, e poucos elementos de jogo tradicional, começou por levantar os ânimos. Tal como já tinha acontecido no passado com jogos como "Dear Esther" ou "Proteus", criticados, por vezes violentamente, de não serem jogos. Não pertencendo à ideia do que é aceite pelo grupo como videojogo, porque utilizam uma linguagem diferente para se expressar, é motivo suficiente para os indivíduos reagirem contra o videojogo e seus criadores.
"As estatísticas podem até dizer que 45% dos jogadores são femininos, mas também sabemos que 90% desse grupo apenas joga casuais."
No caso de "Depression Quest", a diferente forma de se expressar, foi ainda associada ao facto de estar a ser produzida por uma mulher. Ora o mundo dos videojogos é predominantemente masculino. As estatísticas podem até dizer que 45% dos jogadores são femininos, mas também sabemos que 90% desse grupo apenas joga casuais. Desse modo o grupo de jogadoras "hard core" é muito reduzido, criando a ideia de que os videojogos mais elaborados são um elemento que pertence exclusivamente ao grupo dos homens. Deste modo o que temos é então os indivíduos, não apenas a reagirem à diferença de abordagem ao meio dos videojogos, mas também à diferença sexual de quem produz a abordagem.
A juntar-se a este processo de segregação, da linguagem e sexo, temos o problema de estar a lidar com um grupo fortemente constituído por indivíduos numa fase de transição, a adolescência, que se define por ser o momento da vida em que se procura e afirma a identidade. Sendo um grupo masculino, as hormonas da testosterona estão em total ebulição, produzindo alterações comportamentais drásticas nos indivíduos, que podem contribuir para exacerbar o sentido de segregação, conduzindo-os muitas vezes a ter atitudes, que no mundo da internet nos habituámos a definir como "trollismo".
Exposto tudo isto, poderíamos dizer, "mas se assim é não há nada a fazer, as pessoas nem sequer têm culpa, está inscrito no seu DNA". Não! Absolutamente Não! Muitas outras coisas na nossa vida estão inscritas no nosso DNA, mas não é por isso que deixamos de lutar contra elas, de as tentar domesticar. A isso chama-se EDUCAÇÃO. Se nos quisermos deixar levar por tudo aquilo que os nossos instintos regulam, então talvez seja melhor regressar à savana. Esquecer que há milhares de anos a abandonámos para criar aquilo a que hoje chamamos de CIVILIZAÇÃO.
- [1] Why the co-creator of Depression Quest is fighting back against Internet trolls, in EDGE, 23.01.2014, http://www.edge-online.com/news/why-the-co-creator-of-depression-quest-is-fighting-back-against-internet-trolls/
- [2] O Lado Negro da Moral, in Virtual Illusion, 12.02.2013, http://virtual-illusion.blogspot.pt/2013/02/o-lado-negro-da-moral.html