Simulação automóvel: treino ou divertimento?
Por dentro do género e acompanhando alguns jogos que constituem a referência.
A representação dos automóveis e do desporto automóvel nos videojogos tem-se feito praticamente desde os primórdios da indústria. Há todo um interesse gerado no desenvolvimento do comportamento dos automóveis, dentro do timbre do movimento e do colorido, da acessibilidade e imediatismo e não apenas porque os gostos da audiência masculina, ainda em maior número, sempre se fizeram sentir mas também porque as experiências baseadas na simulação e no acesso mais básico daquilo que é ter em mãos uma viatura de quatro rodas sempre gerou grande popularidade, notabilizando-se um naipe de títulos, ao longo de diferentes fases da evolução tecnológica da indústria, para diversas plataformas (como sistemas caseiros, computadores e máquinas de arcade) cujo êxito assinalável num plano mundial não pode ainda hoje deixar de ser referenciado para melhor compreender as produções mais recentes.
Na leve brisa da memória não se perdeu o tempo passado em torno do antigo Test Drive, funcionável a partir do sistema DOS, hoje perfeitamente obsoleto (ou Commodore 64) em computadores que ajudam a preencher um qualquer museu dedicado às antigas tecnologias. Em Test Drive não faltavam sequer os grande carros na berra como o Ferrari Testarossa, Lamborghini Diablo, Porsche Carrera Turbo, entre outros, postos a circular em percursos cheios de percalços, com trânsito contrário e com um sistema de condução tão hardcore que deixava muitas vezes a dúvida em optar por travar e virar ao mesmo tempo.
Era de uma exigência atroz, mas nem por isso passou despercebida a perspectiva interior do bólide, factor de imediata distinção perante outros jogos do mesmo género. Ao mesmo tempo, nas máquinas arcade, despertavam outros jogos, menos propensos ao rigor e exigências simuladas da condução, mas vocacionados especialmente para o divertimento imediato e recompensador logo desde o início. OutRun figura numa qualquer lista de jogos de automóveis (sendo já um quadro natural das memórias da velha guarda o Ferrari descapotável com a beldade loura sentada no banco ao lado do condutor, seguindo ambos viagem por diferentes paisagens), assim como os dois Sega Rally, especialmente o segundo que ainda hoje é um dos poucos jogos sobreviventes dentro dos salões de arcade.
Mas recuando aos anos oitenta de OutRun para relevar ainda Pole Position e Final Lap (Namco) dois dos jogos que captaram grandes atenções na reprodução do campeonato mundial de Fórmula 1, sendo que no caso do último até foi possível ligar oito máquinas em simultâneo a fim de permitir viva competição entre humanos.
Ferrari 355 Challenge, mais que um jogo de pura devoção pela marca de Maranello tida por Yu Suzuki, é ainda uma mescla de acessibilidade e simulação, embora deveras exigente ao ponto de cada curva negociada mais parecer uma epopeia. Para o famigerado produtor da Sega, o objectivo de fazer um jogo baseado exclusivamente num automóvel, o belo Ferrari 355, era a vontade de transmitir algumas das sensações próximas da experiência proporcionada por aquelas máquinas potentes e pagas a peso de ouro, sem obrigar os adeptos a desembolsar muito por isso. Na versão de cabina, máquina pomposa, quase fechada, nem faltou a caixa de velocidades manual com ranhuras para engrenar as seis mudanças. Um épico dos automóveis.
No entanto há claramente uma divisão dentro da produção dos jogos de corridas de automóveis e muito embora se assista a uma tendência para enveredar por experiências mais simples e acessíveis, sobretudo nos jogos para consolas (Race Driver, Burnout Dirt, PGR4, também conhecidos como “racers”), no PC permanecem fortes nichos de adeptos e entusiastas da simulação que chegam ao ponto de transformar as cadeiras diante do monitor em autênticas baquets, não se dispensando, em caso algum, o volante da praxe com caixa de mudanças manual e semi-manual a preceito.
Para esse enxerto de jogadores, ávidos de grandes desafios e avessos a uma falha de palmatória na trajectória de uma curva, continuam a chegar autênticas e muito avançadas simulações de corridas. Neste caso cada mais pequeno detalhe faz a diferença e num aspecto quase cirúrgico chega a existir uma especial dedicação só para um jogo, como sucedeu com muitos fãs do legado Grand Prix (sobretudo o enciclopédico GP2 para os famosos Pentium) da MicroProse e produzido por Geoff Crammond. Os capítulos seguintes, GP3, GP4 não perpetuaram a evolução mais desejada, pelo que GP2 permanece, mesmo passados estes anos, como um dos jogos mais severos do género em virtude da miríade de campos sujeitos a afinação. Claro que há sempre um manancial de ajudas que irremediavelmente facilitam o progresso e evitam delongas na aprendizagem, mas qualquer amante das simulações consegue extrair todo o potencial quando desliga a quase totalidade das ajudas electrónicas. Aliás, o manual de instruções de GP2 é de um saber enciclopédico, com todas as descrições importantes entre as quais as engrenagens adequadas para todas as curvas dos grandes prémios que em 1994 integravam o campeonato da Fórmula 1.