SOMA - Análise
Um jogo de terror pouco assustador.
Seria de esperar que SOMA, o título mais recente da Frictional Games, fosse um jogo aterrador, não fosse esta a mesma equipa conhecida por Penumbra e mais tarde por Amnesia, mas saiu-nos algo diferente. Não me interpretem mal, existem momentos assustadores e uma atmosfera capaz de causar arrepios, mas no final o que sobressai é a introspectiva que o jogo nos obriga a fazer. Na realidade, SOMA foi desenhado para provocar o pensamente, só que está disfarçado de jogo de terror, e isto vai ficando cada vez mais evidente à medida que nos aproximamos do fim.
SOMA decorre no futuro, depois da queda de um meteorito que forçou a humanidade a habitar em estruturas subaquáticas. O início do jogo é tão confuso para nós como para a personagem que controlamos. Acordamos numa destas bases subaquáticas sem perceber o que aconteceu ou como fomos lá parar. Uma coisa torna-se rapidamente óbvia: algo de muito errado aconteceu ali. Há corpos mutilados nos cantos e uma matéria orgánica estranha espalhada.
Seguido o estilo dos títulos anteriores da Frictional Games, este é um daqueles jogos em que estamos completamente indefesos. Não temos armas nem qualquer outro objecto para nos defendermos. Tudo o que carregamos é um dispositivo que serve para abrir portas e pouco mais. Face ao perigo, procurar um esconderijo é a única opção, não demora muito até encontrarmos o primeiro monstro. Os monstros de SOMA são deveras estranhos. Não são zombies, nem vampiros, nem lobisomens, nem qualquer outra criatura sobrenatural da qual tenha conhecimento. Uma coisa é certa, estas criaturas estranhas apenas têm capacidades auditivas. Se não fizerem barulho, podem estar ao lado de uma que nada vos acontecerá.
Os monstros são assustadores ao início, pois não os conhecemos bem nem sabemos os seus comportamentos. Os sons que emitem, misturados com os estranhos barulhos de uma estação subaquática, são arrepiantes, e o jogo de sombras não nos permite, inicialmente, vê-los muito bem. Mas isto é apenas o efeito inicial. Depois de familiarizados, os monstros deixam de ser assustadores. A culpa é principalmente da inteligência artificial, que é pouco perspicaz. Comparativamente a Alien Isolation, em que o Alien parece que prevê as nossas ações e tem respostas inesperadas, SOMA deixa bastante a desejar. Pelo final, os momentos em que tinha de me esconder tinham perdido o completamente o efeito de terror.
Portanto, SOMA não funciona muito bem como um jogo de terror, mas existe uma excelente e intrigante história para equilibrar a balança. Como disse logo no início, o terror é apenas um disfarce para uma série que dilemas e questões filosóficas que andam de mãos dadas com a narrativa de SOMA. É realmente difícil falar sobre a história de SOMA, isto porque qualquer detalhe que releve é um potencial spoiler. A história é descoberta aos poucos e funciona como o motor que nos leva a acabar o jogo, pelo que é essencial que permaneça um mistério, caso contrário arruína por completo a experiência.
Posso, contudo, mencionar alguns dos temas abordados em SOMA. Os temas principais são a Inteligência Artificial e os perigos dos propósitos que lhe damos, bem como problema da identidade humana. Será que o nosso corpo e mente não podem existir sem um outro, ou é possível que a nossa mente continue a funcionar / existir mesmo após a morte do corpo? SOMA dança em torno disto. É uma narrativa séria para quem procura algo mais profundo e está cansado dos clichés que a grande maioria dos jogos populares cometem. Pessoalmente, embora nunca que diga que não a uma história que combina bem com pipocas, há que contra-balançar com coisas mais sérias.
O problema de SOMA é que é um jogo de opostos. Enquanto a narrativa nos agarra, a parte de jogar em si é pouco interessante. Em certas partes torna-se mesmo enfadonho. No que toca a jogar, SOMA é simples. Com o gatilho direito podem pegar nos muitos objetos espalhados pelos cenários, se bem que a maioria é inútil. A progressão é feita simplesmente pegando em objetos chave e transportando-os para outros sítios, ou resolvendo alguns puzzles. Mas os intervalos entre secções são grandes e uma grande parte do tempo é gasto simplesmente a andar de um lado para o outro.
A história é complementada por uma série de documentos de texto, trocas de emails entre funcionários da estação e ficheiros de áudio que preenchem os espaços em branco. Apesar da história ser apelativa, há muito que fica por contar nas entrelinhas. Se querem saber todos os pormenores, terão que explorar todos os compartimentos que encontram. Apesar disto, SOMA é sobretudo um jogo em linha recta. As oportunidades de exploração só vos afastam uns metros do caminho principal.
"Enquanto a narrativa nos agarra, a parte de jogar em si é pouco interessante."
Chegar ao final da história é um processo que demora cerca entre 8 a 10 horas. Existe uma decisão no final que gera consequências diferentes, mas nada além disto encoraja a que regressem a SOMA. É um daqueles jogos para terminar apenas uma vez. Não há nada de errado neste aspecto, existem vários outros jogos assim, mas se estiverem à procura de algo mais longo ou com argumentos para chegarem ao fim mais do que uma vez, o melhor é procurarem noutro lado.
De realçar que a versão PS4, que foi a que testamos, tem algumas quebras de fluidez, sobretudo nos momentos de auto-gravação, em que a imagem chega a mesmo a bloquear durante alguns segundos. Além disso, os tempos de loading antes de começarmos a jogar são penosos. Há também que sublinhar que podem optar por legendas em português do Brasil.
SOMA é um jogo dividido, espelhando a problemática que coloca da separação do corpo e da mente. Instiga o pensamento, o debate de ideias e tem uma história cativante e madura, mas não é entusiasmante de se jogar, pelo contrário, há momentos em que se torna aborrecido. Um jogo é um casamento de várias disciplinas, em que todas elas devem funcionar em sintonia para oferecer uma experiência diferente de qualquer outra forma artística. A Frictional Games tinha em mãos uma boa história, mas esqueceu-se que um jogo é mais do que isso. Se muitos jogos modernos e populares pecam pelas histórias parvas mas são divertidos, SOMA é o oposto, tem uma narrativa triunfante mas falhar em cultivar o interesse de jogar. Ultimamente, SOMA não peca por ser fraco como um jogo de terror, peca porque é frequentemente aborrecido.