South Park: The Stick of Truth - Análise
Peidos e outros temas inapropriados... tudo o que seria de esperar de um jogo de South Park.
South Park: The Stick of Truth não é recomendável para quem fica facilmente ofendido e/ou prefere ficar afastado de temas sensíveis como abortos, inserções anais ou nazismo. Neste sentido o Obsidian Entertainment não podia ter feito um melhor trabalho em adaptar esta série de televisão. O jogo, à semelhança da série, goza com tudo e com todos e não olha a limites no humor negro, que em casos limite pode ferir susceptibilidades. Mas para aqueles que adoram a série e compreendem o seu humor, The Stick of Truth é um paraíso com uma digna quantidade de momentos engraçados do princípio ao fim.
O jogo começa inofensivamente com uma brincadeira de crianças mas cresce pouco a pouco a proporções épicas com reviravoltas no enredo completamente inesperadas. Todas as caras familiares estão presentes, de uma forma ou de outra, e parece que nada foi deixado de fora. A essência de South Park foi capturada no totalidade e transformada num RPG que não faz frente aos "grandes" mas também não faz más figuras.
Somos o novo miúdo no bairro, a nossa família acabou de se mudar para South Park e somos ordenados pelos nossos pais para ir brincar com outros miúdos. Rapidamente conhecemos Butters, que por sua vez nos apresenta a Cartman, que está disfarçado de feiticeiro e nos convida para a brincadeira. O propósito é defender o Stick of Truth, quem o detém é capaz de controlar o universo e redefinir as regras.
Depois de escolhido o nome para a nossa personagem (dica: na verdade não têm outra escolha), a classe e as roupas, o acampamento no quintal de Cartman é invadido pelos elfos, que querem roubar o Stick of Truth. Aqui somos introduzidos às mecânicas de combate. The Stick of Truth é um RPG por turnos, mas os ataques requerem execução. Não basta apenas selecionar o ataque que querem e esperar que esteja concluído, têm clicar nos botões indicados no momento certo. A aprendizagem é muito rápida, numa questão de minutos já dominam o timing.
O combate é básico mas tem várias opções que o tornam divertido e diversificado. Preparem-se para ficar intoxicados com peidos, é uma das mecânicas muito utilizadas em South Park e uma das técnicas mais úteis em combate. Os peidos podem derrubar paredes, uma das últimas técnicas que vão aprender, e intoxicar os inimigos antes mesmo do combate, fazendo-o com que percam vida a cada turno. Atirar com pedaços de cocó também é uma opção, mas não causa dano, é apenas uma forma de humilhação e de ganhar um achievement.
Fora isto, há os ataques "normais", feitos com qual quer que seja a arma equipada, que pode ir desde uma simples espada a um vibrador rosa-choque, e os ataques especiais, que variam de personagem para personagem e estão limitados à barra PP. Fieis ao espírito de South Park, alguns dos ataques especiais (na classe de guerreiro, que foi a que escolhi) passam por dar uma cabeçada no meio das pernas ou partir um taco de basebol na cabeça de alguém. Os ataques desta classe são mais violentos do que engraçados, mas quanto chamámos outra personagens para a nossa party, como Kyle, temos ao nosso alcance o clássico Kick The Baby.
Cada personagem tem uma espécie de habilidade especial que pode usar uma vez por turno em adição ao ataque. Butters, o nosso companheiro inicial, têm a capacidade de curar. Kenny (ups, princesa Kenny, depois vão perceber...) consegue seduzir. Em adição a isto têm os Summons, que têm a restrição de serem usados uma só vez por dia, mas quando são invocados, limpam o que estiver à frente.
O que dá mais variedade ao combate é a personalização de equipamento. Além das diferenças estéticas que o equipamento causa, as vantagens (ou desvantagens) também devem ser levadas em conta. Há armas com vantagens específicas contra um certo tipo de inimigos e além disto, têm um slot ou dois para perks, como causar dano de fogo, enjoo, electricidade e o efeito bleeding, que tal como o enjoo, causa a perda de vida a cada de turno. A descoberta de novas armas e armaduras é constante, por isso o mais provável é estarem sempre a trocar e à procura de novas poderosas combinações. Também há uma quantidade incrível de itens inúteis, desde cuecas a action-figures, que podem vender para ganhar uns trocos.
Não vão querer jogar South Park pelas suas qualidades RPG. Quer dizer, o jogo é competente neste género, mas é o seu humor e história combinada com os elementos RPG que lhe dão a sua graça. Se estão habituados a um RPG com centenas de horas vão ficar desiludidos. A minha playthrough ficou algures entre as oito e treze horas (no ficheiro de gravação é dito que foram oito horas, o Steam diz-me que foram dez). Não só completei a história por inteiro como também terminei várias das sidequests, que não são assim tantas, diga-se. Mas no final fiquei satisfeito, a aventura dura o suficiente e não fica a dever nada.
Vão querer jogar The Stick of Truth porque é como se fosse um episódio gigante da série de televisão. A passagem deste formato para videojogo é perfeita, e mesmo o combate, apesar de básico, assenta-lhe que nem uma luva. Quem conhece, acompanha os episódios, e conhece "pessoalmente" as personagens perceberá as piadas muito melhor, e no global, todo o humor presente. Digo isto porque, quando surgir a piada "OMG! They Killed Kenny", nunca não perceber, a não ser que já tenham visto alguns episódios.
É fácil entender por que razão The Stick of Truth dá a sensação de ser um episódio retirado da televisão. O guião foi escrito por Matt Stone and Trey Parker (e tinha originalmente 850 páginas, mas foi reduzido) e as personagens conta com as vozes originais da série de televisão. Já para não falar que a versão do jogo de South Park é exactamente igual. Têm toda a liberdade para explorar esta pequena cidade e os seus diferentes locais: a escola, a igreja, o centro comunitário e até os esgotos. Tudo foi fielmente recriado igual ao que vemos na televisão e os gráficos são praticamente idênticos. Ao olhar para a série e para o jogo é difícil notar uma só diferença.
Mas esta é uma daquelas aventuras que só vão querer viver uma vez. Podem começar de novo com uma classe diferente e optar por uma dificuldade mais difícil (em normal é bastante fácil), mas o melhor que The Stick of Truth tinha para vos dar já deu, a sua história. Passados os créditos, não resta muita vontade para repetir, pelo menos foi o que senti.
"A cooperação entre os criadores da série e do Obsidian deu frutos e está claramente visível ao longo de toda a aventura"
E depois há claro a questão incompreensível da censura. A decisão de censurar a versão para as consolas veio da Ubisoft e não do PEGI. Querem saber o que foi cortado? As cenas de inserção anal (por outras palavras, cenas em que aliens nos enfiam coisas pelo traseiro acima numa nave espacial) e duas cenas de abortos (que são mini-jogos e parte de uma quest principal). The Stick of Truth está constantemente a roçar a linha do que é aceitável e do que não é, por isso cortar estas cenas não faz muito sentido, é tentar disfarçar a essência do jogo e da série de televisão. Claro que podem desfrutar de tudo isto na versão PC, que é pouco exigente nos requisitos e mais barata.
Devem levar em conta que isto sou eu a falar, normalmente não tenho problemas com qualquer tipo de conteúdo e que gosto deste tipo de humor. Mas certamente há pessoas que não ficariam satisfeitas com uma cena de aborto, que ainda por cima é mini-jogo, e muito menos com o enfiar de coisas no traseiro (perto do final há uma cena pior do que esta). Mas se não acham piada a isto, South Park: The Stick of Truth não é um jogo para vocês, como já tinha explicado logo no início.
As adaptações de televisão (ou de filmes) nunca resultam bem nos videojogos, mas The Stick of Truth emerge como uma excepção. A cooperação entre os criadores da série e do Obsidian deu frutos e está claramente visível ao longo de toda a aventura, que apresenta bons e memoráveis momentos dignos do nome deste título. Acaba por não apenas corresponder às expectativas, como também por ser uma aquisição obrigatória para fãs de South Park, que vão sentir-se em casa.