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Spec Ops: The Line - Análise

A guerra é mais dolorosa na mente do que nos músculos.

Não é comum ver um videojogo retirar inspiração de uma obra literária, e é ainda menos comum no caso de um shooter tão declarado como este Spec Ops: The Line. Desenvolvido pela Yager Development, o jogo é apresentado como uma adaptação moderna da obra de Joseph Conrad, Heart of Darkness, a mesma que servira de inspiração para o filme Apocalypse Now de Francis Ford Coppola.

Tudo começa com a cidade do Dubai em ruínas, fustigada por fortes tempestades de areia, que tornam uma das zonas mais exuberantes do mundo numa "terra de ninguém". Os sobreviventes comportam-se como abutres, matando e pilhando por o que resta de alimento. Impera a lei da bala, com grupos altamente armados, grupos de civis, a CIA, e até o que resta das forças militares de uma base Americana situada naquela área.

Controlamos uma equipa de três elementos da Delta Force, encarregues de conduzir uma missão de resgate neste terreno hostil, motivados por uma transmissão rádio que sugere que o coronel John konrad (uma clara referência ao nome do autor de Heart of Darkness) se encontra vivo algures no Dubai. Konrad é um antigo companheiro do protagonista do jogo, o capitão Martin Walker, e salvara a sua vida no passado durante uma missão em Kabul.

A entrada na cidade é bastante atribulada, com um tiroteio de helicóptero que introduz o cenário geral de destruição, seguido de um pequeno tutorial já em terra que nos ensina os comandos básicos do jogo e como dar ordens aos outros dois membros da equipa. Rapidamente encontramos a fonte da transmissão, e percebemos que a nossa investida no Dubai será tudo menos uma missão para salvar vidas. Mas já lá vamos.

A representação estética da cidade do Dubai é um dos pontos fortes deste Spec Ops: The Line, com a ênfase colocada no contraste entre aquilo que fora a ostentação de riqueza típica do Emirado, com a destruição e caos que agora reina por todo o lado. No exterior a visibilidade é permanentemente limitada por fortes tempestades de areia, e por uma boa utilização da luz do sol que nos cega e limita a visão durante os tiroteios.

Os outros dois membros da equipa, os sargentos Lugo e Adams, servem de apoio durante a ação, e até existe um comando específico para requerer que eliminem um alvo particular a qualquer altura. No entanto, o que os torna particularmente interessantes, são os constantes diálogos que mantêm connosco durante o jogo, desenvolvendo a narrativa, dando corpo à personagem e até servindo quase como a consciência Walker.

Rapidamente a unidade percebe que a missão do Dubai será muito mais conturbada do que originalmente previsto, apanhados no meio de uma guerra entre o batalhão conhecido como o 33º e um grupo armado de refugiados, frequentemente os membros discordam de qual o melhor passo a tomar, chegando mesmo a pôr em causa a própria personalidade e humanidade de Walker. Não queria entrar em demasiados pormenores, mas o jogo utiliza os nossos companheiros como muito mais do que apenas unidades militares de apoio, eles são parte integrante do enredo.

A narrativa é aliás, o ponto mais marcante de The Line, não é vazia, mas também não tenta impor nada. É sarcástica por vezes, algo muito pouco comum em shooters militares, ficamos com a clara ideia de que o jogo goza connosco por nos orientar no sentido de tomarmos uma decisão da qual nos acabamos por arrepender. Aliás, sinceramente quase nem é percetível que existam escolhas, mas depois o jogo faz questão de nos dizer que acabamos de escolher, e provavelmente escolhemos mal.

"A representação estética da cidade do Dubai é um dos pontos fortes deste Spec Ops: The Line, com a ênfase colocada no contraste entre aquilo que fora a ostentação de riqueza típica do Emirado, com a destruição e caos que agora reina por todo o lado."

A vida não é nada fácil.

Fiquem com uma certeza, serão sempre responsabilizados pelas vossas decisões, e terão de saber viver com as consequências delas enquanto vêm a transformação da personagem de Walker e daquilo que o move. Walker começa por ser um protagonista vazio, mais um soldado super-homem pronto a enfrentar centenas de semelhantes, mas através das suas/nossas ações, vemos a personagem evoluir e se conectar com o jogador de uma forma muito interessante.

Durante a missão, por vezes é quase desconcertante fazer a ligação entre a narrativa e a ação nos nossos cérebros, estamos a pensar e a tentar fazer uma coisa, e de repente a ação exige que nos comportemos de forma completamente diferente. A falta de moralidade que o cenário representa, aliado a cenas forte de pessoas a arder ainda com vida ou uma vala comum cheia de sangue são apenas alguns exemplos da forma muito inteligente como a Yager descreve o que é estar envolvido num cenário de guerra.

A razão porque comecei por chamar "shooter declarado" a Spec Ops: The Line advém do facto de não haver nada de novo no campo do gameplay, é aqui que o jogo perde o brilho e se confunde com as centenas de shooters genéricos que invadiram o mercado nos últimos anos. A ação é demasiado pré-determinada ("scripted") e consiste em eliminar todos os inimigos de uma área, aceder à área seguinte, para voltar a eliminar todos os inimigos. O jogo usa e abusa do sistema de cover que também não traz nada de novo ao género, e oferece ainda alguns momentos "bullet time" para vermos exatamente qual o efeito que a nossa última bala teve no crânio do adversário.

A inteligência artificial dos inimigos é medíocre na melhor das hipóteses, e as cenas de tiroteio abusam um pouco da nossa boa vontade. Bem sei que uma equipa de três elementos da Delta Force é capaz de sair vitoriosa em condições adversas e contra um grande número de inimigos em simultâneo, mas também não era preciso exagerar.

Em termos técnicos os visuais estão bastante agradáveis, com as texturas das personagens e ambientes dentro da norma deste final de geração. Os efeitos de luz que já falei anteriormente são muito agradáveis, e existem ainda pormenores que ajudam a acrescentar credibilidade à ação, um bom exemplo é a areia a levantar uma nuvem de pó depois de uma explosão ou uma série de disparos.

"A inteligência artificial dos inimigos é medíocre na melhor das hipóteses, e as cenas de tiroteio abusam um pouco da nossa boa vontade."

The Damned vs. The Exiles

Spec Ops: The Line oferece um conjunto razoável de armas, desde SMG's, snipers, até à saudosa desert eagle. Os cenários estão longe de promover a exploração, mas ainda assim existem alguns objetos extra dissimilados ("intel) nas várias zonas, que fornecem um pouco mais de informação sobre os eventos que antecederam a nossa missão. Um dos que me ficou na memória, foi uma carta descrevendo a forma como um prisioneiro teria sido torturado, o tempo em que aguentou a dor, até ao momento em que cedeu depois de ver a sua carne derreter perante o fogo.

Terminada a campanha, o jogo traz ainda um modo multijogador (parece que é obrigatório nos videojogos modernos), mas que não oferece nada de particularmente interessante. É basicamente o combate despido do elemento narrativo, com os típicos modos deathmatch e deathmatch em equipas, e ainda um modo que permite destruir estruturas inimigas para revelar um alvo específico.

Spec Ops: The Line acabou sinceramente por ser uma boa surpresa, é designado para maiores de 18, e não apenas pelas cenas de tiroteio constantes mas também pelo tom e tema maduros e psicologicamente exigentes que impõe. Julgo que qualquer jogador encontrará algum prazer nas cerca de 8 horas que a campanha oferece, mas mais do que isso, qualquer amante de shooters deveria jogá-lo e perceber que pode haver muito mais do que simples matanças neste género.

7 / 10

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