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Star Fox Zero - Análise

Ar(dcore)wing.

Um Star Fox que leva o selo de acção da Platinum, enfraquecido pelo sistema de comandos pouco confortável.

Distam mais de dez anos desde a última entrada de Star Fox numa plataforma doméstica da Nintendo. Em 2005 a Nintendo publicou Star Fox: Assault, então produzido pela Namco (cuja colaboração se acentuara entre as duas produtoras através do desenvolvimento de F-Zero AX (arcade) e GX - belíssima versão GameCube), no seguimento de Star Fox: Adventures (2003, Rare), este um jogo algo diverso da apresentação mais tradicional da série, ao proporcionar uma componente de acção na terceira pessoa.

A origem da raposa espacial remonta à SNES (Star Fox, 1993), quando Miyamoto desenhou pela primeira vez as aventuras espaciais de Fox McCloud e a eterna Arwing, naquele que foi um dos primeiros jogos produzidos pela Nintendo com efeitos tridimensionais numa consola 16 bit. Apesar do aspecto cru e primitivo do 3D, Miyamoto desenhou as coordenadas do futuro, cuja validade mereceu destaque na geração seguinte de consolas, e em particular nesta série, com o desenvolvimento de Star Fox 64 (Lylat Wars, 1997), um jogo que não só modelou definitivamente a espinha dorsal como serviu de farol para todas as produções que se lhe seguiram, orientando mesmo Star Fox Zero.

Delegando muitas das suas produções a terceiros estúdios, para a produção de Star Fox Zero a Nintendo reservou um estúdio de tremendas façanhas: a Platinum Games, nome que praticamente dispensa apresentações à custa da fama que ganhou nos seus jogos cheios de estilo, adrenalina e acção em moldes "old school", como muitos fãs apreciam. Aliás, a Nintendo é uma das editoras que mais tem apostado neste talentoso e brilhante estúdio ao resgatar do limbo (das mãos da Sega) Bayonetta 2, mas também a garantir trabalho e exclusivos como The Wonderful 101.

Regresso a Corneria

Quando foi anunciada a parceria com a Platinum, perspectivou-se o melhor. Depois de uma ausência prolongada dos combates espaciais no grande televisor, parecia que sob a supervisão de Miyamoto e nas mãos da reputada Platinum Games, iríamos finalmente conhecer um jogo capaz de conciliar uma fantástica componente de acção com o estilo e divertimento que aquele estúdio japonês fabrica como poucos. Contudo e depois de um primeiro contacto na passada E3, o grau de expectativa desceu não a pique mas significativamente, por força de um sistema de comandos algo complexo, nem sempre fácil de assimilar e um grafismo aquém do melhor que vimos numa Wii U.

Com um adiamento pelo meio e um reforço na produção no sentido de inverter as impressões anteriores menos agradáveis, a versão que agora nos chega apresenta-se melhor, fluida e globalmente é uma experiência bastante divertida, com a faísca Platinum, mas no tocante aos comandos ainda não é suficientemente confortável e sólida, como deve ser qualquer videojogo. Uma coisa são os contextos e acções específicas, neste caso as manobras da nave e disparos no sentido mais tradicional, outra é o forma de acedermos a esses comandos. Tomando a opção por uma jogabilidade dual entre ecrã do GamePad e ecrã televisivo, na maior parte dos confrontos mais acesos, confrontamo-nos com o próprio sistema e sujeitamo-nos muito mais depressa às suas fragilidades, potenciando erros que doutra forma seriam evitáveis. Bayonetta 2 pode ser um jogo exigente, dotado de complexas combinações de ataque, mas o sistema de entrada de acções é amplamente acessível. Em Star Fox Zero a opção dada ao Gamepad é de certo a mais arrojada e em sintonia com o seu conceito mais profundo, só que nunca nos deixa confortáveis e nunca sentimos o domínio perfeito da Arwing nesta sua dupla (e inédita) mecânica.

"Star Fox bebe a fórmula dos "shooters" "old school""

É certo que a missão não é das mais fáceis. Star Fox bebe a fórmula dos "shooters" "old school" (tanto os 2D como os 3D): temos sempre que alvejar os inimigos em acesos combates de naves. Contudo, a jogabilidade de Star Fox sempre primou pela diversidade de contextos ou seja não apenas combates no espaço mas também por terra e através de diferentes máquinas. Ora tudo isso, as diversas tranformações da Arwing, adaptaram-se ao sistema de comandos dual, o que praticamente condiciona toda a aventura. Ainda que seja possível desligar o sistema de movimentos do Gamepad e optar por um sistema de controlo mais tradicional por via dos analógicos, estamos mais perante uma alternativa que também nunca se mostra a melhor e a mais eficaz.

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Se acompanharam a análise até este ponto, provavelmente estarão menos optimistas sobre o jogo. Com imensa pena senti igualmente desvanecer depressa muito do divertimento que habitualmente extraio dos jogos da Platinum quando, após muito tempo no espaço, senti que as dificuldades de manobra da Arwing não eram momentâneas. Com treino e prática, melhoramos a nossa prestação, mas está sempre lá aquela pedra, aquele desconforto, como uma desilusão ténue que nos oprime. Não sendo um jogo transbordante, ainda assim não pensem no pior, longe disso. A faísca Platinum não desapareceu e não vão faltar intensos combates, grandiosas explosões, perseguições e situações de grande espectacularidade como nunca vimos em Star Fox, tendo ao mesmo tempo aquele sentimento de familiaridade e proximidade que a série nos transmite, especialmente se jogaram os títulos anteriores, bem como a versão 3DS remasterizada do clássico da N64.

A narrativa de Star Fox Zero é nova, o que coloca o jogo num segmento autónomo face aos outros títulos. Começando por aludir ao pai de Fox McCloud (James), e aos seus camaradas de asa Peppy e Pigma, desaparecido em combate numa missão ao planeta Venom, cabe ao filho salvar mais uma vez o sistema Lylat. Numa trama que envolve reencontros e ajustes de contas entre personagens de diferentes gerações, o companheirismo, a amizade, bravura e espírito de sacrifício pelos camaradas são constantes numa aventura que se prolonga para lá da dezena de horas, atendendo às múltiplas missões que terão lugar no sistema Lylat.

"Não estamos perante uma narrativa sofisticada ou particularmente estimulante, mas entretém e cumpre o propósito esperado ao reunir mais uma vez a esquadrilha de Fox McCloud"

Não estamos perante uma narrativa sofisticada ou particularmente estimulante, mas entretém e cumpre o propósito esperado ao reunir mais uma vez a esquadrilha de Fox McCloud, composta por Falco, Peppy (wingman de James McCloud e o veterano do grupo mas também o mais experiente) e Slippy. Estes assistem Fox e auxiliam-no nos momentos críticos. A jogabilidade é tipicamente Star Fox. Tal como num "shmup", seguimos por percursos lineares quando controlamos a Arwing na sua forma tradicional, disparando sobre os inimigos na nossa direcção com os olhos postos atrás, recorrendo para isso a manobras como viragens, acelerações, travagens e o inesquecível "barrel rol", como um rodopio de modo a evitar os disparos inimigos. Típica jogabilidade Star Fox que aliás se mantém nas grandes áreas onde dispomos de mais liberdade de acção e plano de voo, realizando diferentes estratégias para derrubar os inimigos mais ágeis bem como alvos localizados em pontos específicos.

Velho camarada de asa.

A grande novidade, tal como já dissemos atrás e expusemos sobre a principal dificuldade do jogo, é o sistema de comandos dual. Através do botão analógico esquerdo controlamos a Arwing, no televisor, na perspectiva de perseguição, enquanto que no ecrã do GamePad temos a perspectiva em primeira pessoa do cockpit, ideal para alvejar com sucesso os inimigos, através de um sistema de mira um pouco mais preciso e sujeito a comando por movimentos. O problema resulta da vulnerabilidade a que nos sujeitamos à custa desta triangulação. É certo que podemos dirigir a nave a partir da perspectiva interior, usando o analógico esquerdo, mas nesse caso ficamos sem a visão abrangente ou seja ficamos muito mais expostos aos ataques inimigos e não é complicado perder logo uma porção de energia da nave à custa desta dificuldade (ainda que possamos recuperá-la parcialmente através da obtenção dos anéis).

Se ativermos unicamente à perspectiva exterior temos menos possibilidades de efectuar disparos com sucesso sobre os inimigos, a não ser que estejamos suficientemente próximos, podendo o analógico direito dar uma ajuda, embora com menor precisão. Podemos sempre pressionar o ZL para focar um inimigo, tendo-o como que debaixo de olho, mas até chegarmos junto dele e ficarmos em posição privilegiada de ataque, teremos que manobrar por um bocado e com precisão. Em situações mais lineares e automáticas, com algum treino e persistência até conseguimos tirar proveito deste inovador sistema, encontrando algum encorajamento, mas a maior parte das vezes, precisamente em situações caóticas, de grandes perseguições e constantes disparos, depressa nos emaranhamos e nos sentimos perdidos, resignados e com um sentimento de vulnerabilidade. Como se isso não fosse suficiente, ao perdermos uma vida voltamos ao começo da fase, o que na maior parte dos níveis equivale a retrocessos muito significativos.

A passagem pelos anéis dourados e prateados confere algum "boost" e recuperação de energia, através de manobras alcançadas com perícia, algum esforço (e boa sorte). Quando o tempo das missões escasseia e os bosses ficam mais difíceis, a gestão destas mecânicas é muito mais posta à prova e o desconforto torna-se mais assinalável. Que aliás se mantém nas diversas transformações da Arwing. Sendo as missões muito diferentes assim como os contextos, é possível transformar a Arwing num walker, uma criatura robótica bípede,capaz de sobrevoar por pequenos períodos de tempo ao mesmo tempo que exerce um domínio terrestre privilegiado. Em secções subterrâneas e à superfície torna-se crucial.

"é possível transformar a Arwing num walker, uma criatura robótica bípede,capaz de sobrevoar por pequenos períodos de tempo ao mesmo tempo que exerce um domínio terrestre privilegiado"

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No entanto o desconforto proveniente do sistema de comandos da Arwing permanece nestes diferentes veículos, já que retoma a perspectiva do "cockpit" também no Gyrowing e no Landmaster. Aquele é uma espécie de drone com elevados níveis de precisão, mais lento que a Arwing, menos nave de combate e típica para ambientes furtivos e de infiltração, já que podemos fazer descer um pequeno robô e com ele activar painéis tácteis e até prender grandes caixas ou bombas para transportar como um helicóptero leva uma porção de água no combate aos incêndios. Já a Landmaster é um tanque todo o terreno, passível de transformação numa Gravmaster, um aparelho de voo embora com duração limitada.

É nas "boss fights" que muitos destes aparelhos e respectivas transformações adquirem maior aplicabilidade. Nas áreas lineares a utilização é regular mas em certos momentos do jogo terão que extrair o potencial destes aparelhos, com rapidez, agilidade e precisão, o que nem sempre é possível. Numa "boss fight" puramente Platinum levei algum tempo a debater-me com o sistema até conseguir derrubar o boss. Não era particularmente difícil mas o exigente sistema de comandos deixava-me muitas vezes vulnerável e preso num ponto que sabia que não ocorreria se não fosse à custa dos movimentos do Gamepad e da perspectiva através do cockpit (perdi uma ou duas vezes à custa disso). Claro que é possível desligar a opção do comando por movimentos e controlar a mira e aeronave apenas no televisor. Só que essa também não nos parece a alternativa ideal e a que promove mais garantias de sucesso.

A opção jogo cooperativo permite que duas pessoas possam interagir em conjunto no mesmo aparelho. Um jogador controla a Arwing através do Gamepro, enquanto que o outro acede ao Gamepad e usa a perspectiva interior para abater os inimigos. Uma forma de partilha de jogo que não esconde a necessidade de uma actuação muito coordenada para que chegue a bom termo.

As vozes das personagens são audíveis através dos altifalantes do gamepad.

Entre áreas que regressam, como Corneria (facilmente identificada logo no início), e novas secções, o combate contra o exército Andross está recheado de imensos momentos explosivos e de grande acção puramente Platinum. Nem sempre é um jogo com gráficos arrebatadores, aliás dá a sensação de uma certo condicionamento nesse aspecto no sentido de garantir uma boa cadência visual, ainda que após grandes explosões e perante a proximidade de uma nave em desintegração ocorra uma notória quebra na animação visual. Existem também localizações mais interessantes do que outras, com cenários de grande magnitude onde podemos destruir muitas coisas, antecedendo boas "boss fights" por oposição a outros embates mais lineares. Um jogo por isso oscilante e nem sempre co a sexta engrenagem metida. Ressalva para as batalhas especiais com a Arwing, sempre rápidas, num estilo arcade, e com uma óptima sensação de "dogfight".

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Um olhar atento às produções da Platinum Games mostra-nos que a produtora tende a valorizar mais a substância do que a forma. Metal Gear Rising Revengeance não é um jogo particularmente belo do ponto de vista gráfico, mas trouxe uma jogabilidade frenética e recheada de acção "old school", o mesmo sucedendo com Transformers Devastation, que sem sobressair visualmente pegou na fórmula dos "beat em up's clássicos e não a deixou longe de um Bayonetta, que é talvez o exemplo mais incrível do estúdio na combinação que opera entre arte e produção gráfica com jogabilidade perfeita. Star Fox Zero integra a primeira linha dos jogos que aqui referimos. Não é um título belíssimo. Antes revela destaque pela jogabilidade e sumo da experiência, só que não é pelas melhores razões. Infelizmente, a atracção pela mecânica dual do comando dos aparelhos fica aquém do conforto esperado. Raramente sentimos que o sistema está promovido para ser confortável e essa é a maior lacuna do jogo, por nunca sentirmos que o comando da nave é seguro (torna-se muitas vezes num obstáculo), enquanto que o grau de dificuldade deveria provir das acções dos adversários. Contudo, não pensem que este é um mau jogo que não vale a pena pegar. Com hábito e algum engenho encontram bons momentos de acção, com a faísca que a Platinum habitualmente nos brinda.

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