SteamWorld Heist - Análise
Esparguete espacial.
SteamWorld Dig foi uma das maiores surpresas de 2013 na portátil Nintendo 3DS, plataforma para a qual fora lançado, em pleno verão, preenchendo com sucesso uma época do ano que normalmente marca um certo alívio no pedal. Recordo agora, como o jogo dos suecos Image & Form Games marcou pela magnífica conjugação que operou entre acção e plataformas, granjeando a experiência com aquele 2D e meio típico dos scrollers em formato horizontal e vertical. O jogo ganhou prémios e o lançamento noutras plataformas só confirmou a dimensão única do jogo oriundo da Escandinávia.
Quando se pensava na probabilidade de uma sequela arvorada em torno dos mesmos conceitos e mecânicas, eis que a Image & Form decide trocar as profundezas da terra pela vastidão espacial, servindo-se do mesmo design "steam punk" e de ferro velho no faroeste, só que a bordo de uma nave e com um novo sistema de combate por turnos, capaz de lembrar a dimensão táctica de um Xcom. O resultado é uma aventura capaz de pegar no melhor do jogo anterior (um dos objectivos continua a ser recolher o espólio na posse dos piratas inimigos) e adicionar algo mais diverso. São claras as influências de outras produções como Fire Emblem, na formação da equipa para o tiroteio e na exploração das áreas do jogo, que por seu turno correspondem ao interior de grandes naves espaciais, sem nunca perder de vista uma identidade e um padrão que vem de SteamWorld Dig.
Não é menos relevante a ligação aos "westerns". O foco nos tiroteios e na capacidade do jogador para reforçar a sua posição no combate através do posicionamento e da pontaria revelam como Steamworld Heist deu o salto e se configura como uma experiência inteiramente diferente. A isso acresce um conjunto de personagens memoráveis, designadamente a capitã Piper Faraday, mulher de armas e ocasionalmente uma pirata (olá, Samus Aran), bem como demais recrutas confiados para múltiplas missões, cujos objectivos passam pela invasão, saque e confronto dentro de labirínticas naves espaciais inimigas.
"Steamworld Heist deu o salto e se configura como uma experiência inteiramente diferente"
A dificuldade em superar estes desafios permanentes está patente nos diferentes solicitações: vencer os adversários, o que envolve acesos combates e uma definição estratégica muito grande, mas também saquear o máximo possível de recursos e outras coisas disponíveis, que no final podem ser trocados por melhores armas e equipamento de combate, ao mesmo tempo que as personagens sobem de nível e ficam disponíveis mais poderes especiais. Por último, é imperativo sobreviver às vagas de inimigos quando dispara o alarme e se enceta um plano de fuga até ao ponto de evasão. Só depois disto é que temos o nível concluído. De facto, são algo óbvias as influências, mas a forma como a Image & Form abordou o jogo põe em destaque a habilidade sobre o factor sorte, reforçando o papel do ambiente, nomeadamente os elementos defensivos, posicionamento e o ricochete dos projécteis.
Embora o conceito não seja inédito e as influências algo notórias, para lá da diferença, graças ao particular design, é nos detalhes e "pormaiores" que descobrimos uma produção refinada, trabalhada ao detalhe. Há uma fronteira bem perceptível. Patente desde logo na personalização das personagens, com várias gavetas onde podemos arrumar diferentes armas e disponibilizar chapéus como capacetes à prova de bala, amortecendo um primeiro disparo, enquanto num movimento de câmara lenta, vemos a estrutura metálica desprender-se da cabeça e bater estrondosamente até se alojar mais adiante.
Através do d-pad movimentamos a personagem (existe um limite no avanço, dentro de cada turno). A maior parte das vezes podemos conjugar o avanço com um disparo (normalmente, ao colocarmos uma personagem num certo ponto, o jogo mostra-nos que tipo de acção podemos desencadear). Se ficarmos muito próximos de um adversário, tendo mais uma possibilidade de ataque, um soco é muitas vezes o golpe derradeiro de misericórdia sobre um adversário combalido.
Optando pela pistola, podemos deslocar a mira (através de um raio luminoso) com a precisão facultada pelo d-pad, em qualquer direcção. A mira é particularmente útil, já que nos mostra a trajectória da bala perante a hipótese de um ricochete na parede. Às vezes só assim conseguimos neutralizar um adversário distante e protegido por várias coberturas. Temos todo o tempo do mundo para pensar e agir na melhor forma de surpreender os adversários, mas também evitar os perigos. Num nível de dificuldade mais avançados, os inimigos tendem a aproximar-se a partir de diferentes pontos, montando muitas vezes um círculo letal à nossa volta.
Estas surpresas e desfechos antecipados podem ser evitados a partir uma boa estratégia, dispersando desde logo os elementos da equipa para que o conjunto não seja emboscado. A partir daí as restantes personagens terão que fazer valer as suas habilidades únicas (atirar granadas ou então esperar menos turnos até que uma habilidade volte a ficar disponível) enquanto tomam posse dos sacos repletos de tesouro. As áreas não exploradas encontram-se escuras e não sabemos que perigos lá se escondem. Só depois de aberta a porta é que os inimigos ficam visíveis e logo acompanhamos as primeiras investidas. De resto, o combate não é só horizontal. É possível alvejar de cima para baixo e vice-versa. Os barris funcionam como protecções dos disparos dos inimigos, mas apenas temporariamente (vemos quando a barra de energia diminui depois de um ataque, até a lata se desfazer por completo).
"Um nível nunca é o mesmo quando se joga mais do que uma vez"
Um nível nunca é o mesmo quando se joga mais do que uma vez, mas há coisas que permanecem, como os barris de explosivos que podem ser detonados quando um inimigo passa perto. Nestes momentos, a perspectiva entra em câmara lenta e o que era anteriormente um robô movido a vapor dá lugar a tralha de ferro em queda, numa propagação de peças a que sucede um sentimento de alívio por se registar menos um ponto vermelho no ecrã inferior da 3DS. O mapa é útil. Revela as entradas, saídas, zonas por aceder, tesouros e mostra-nos até onde pode ir a nossa personagem naquele turno.
A progressão na campanha depende do êxito obtido nas missões. Cumpram os objectivos na íntegra e não só terão acesso a melhor equipamento, habilidades e diferentes árvores de personalização, favorecendo a criação de uma equipa composta por diferentes elementos e vocacionados para tarefas algo distintas. Jogar na dificuldade mais elevada é um desafio permanente e cada decisão num turno pode revelar-se arriscada, apesar de motivada por aliciantes suplementares.
As missões são muito concisas e o ritmo é rápido, pelo que ao fim de um ou dois turnos já nos encontramos em plena batalha, sem grandes paragens ou atrasos. A estratégia é crucial mas premir primeiro o gatilho e com sucesso é a chave para escapar com sucesso. A narrativa é boa e desta vez temos mais personagens, exibindo diferentes personalidades. Qualquer que seja o ponto, a bordo da "Déjá vu" - a nossa nave espacial, ou noutro sítio qualquer, não falta quem acrescente dois dedos de conversa e faça valer certo ponto de vista.
SteamWorld Heist está bem construído e recomenda-se. Tanto pode ser jogado por curtos períodos de tempo (há uma gravação automática no fim de cada turno) como podemos passar meia tarde a jogá-lo sem nota para a passagem do tempo. A Image & Form não nega as influências mas não disfarça nos detalhes que elevam esta produção a um patamar acima da média no que toca a jogos de estratégia e acção. Dotado de uma jogabilidade muito forte e concisa, oferece-nos um desafio permanente e constante e uma escala que nos surpreende.