A nossa análise a Stellar Blade, um exclusivo PlayStation 5.
A alvorada de algo espacial.
Stellar Blade da coreana Shift Up Studio, apoiada pela Sony Interactive Entertainment neste seu primeiro jogo de consolas, é um forte argumento a favor de todos os que acreditam que os pupilos dos mestres japoneses estão a ficar mais ambiciosos. É fácil olhar para Stellar Blade e pensar em jogos de ação japoneses, mas muita da eletricidade deste jogo não está na cópia direta de um jogo específico, nem sequer na sensualidade da protagonista Eve, mas sim na vibrante interpretação coreana de uma amálgama de obras, não apenas nos videojogos.
Stellar Blade é um interessante exemplar de como todos nós somos influenciados pela arte à qual somos expostos. Muitos decidem ficar-se pelo seu consumo, procurando incansavelmente por obras similares às que despertaram tamanha paixão, ansiosos por um novo momento que aguce o seu cérebro e sentidos, mas outros decidem usar esse momento de espanto como combustível para criar algo novo, digno do exemplo que tanto respeitam.
Stellar Blade não é um novo NieR: Automata, não é um novo Bayonetta, nem sequer um novo Sekiro, é uma mistura de diversas ideias exploradas pelos mestres japoneses, vistas através do olhar de uma equipa coreana que as interpretou e misturou com diversas outras obras fora dos videojogos, especialmente no rico e diversificado meio literário.
O resultado é uma experiência empolgante que alcança o seu próprio charme a partir de traços familiares. Um dos melhores exemplos é mesmo a narrativa, que te fará constantemente pensar em diversas obras, mas que te poderá surpreender com esta interpretação coreana para temáticas existenciais e filosóficas.
Narrativa de tom bíblico
Uma das melhores formas de perceber como Stellar Blade foi inspirado por diversas obras ocidentais e não o enquadrar como um “mero copiar de experiências interativas japonesas” é a sua narrativa. Ao longo das 20h necessárias para terminar a campanha principal, com pouquíssimas tarefas secundárias concluídas, este Action RPG fez-me pensar em The Matrix, Blade Runner e na Bíblia, pela forma como mistura crença, fatalidade, conflito de opiniões, razão de existir, motivação, e outras questões filosóficas que deambulam pela descoberta do nosso propósito na vida.
No entanto, a jornada de Eve não envereda pelo tom trágico e super pesado, a Shift Up entrega as suas mensagens com várias reviravoltas, momentos nos quais te tenta surpreender, mas não o faz de forma extremamente dramática para te enviar numa crise existencial. Aborda temas muito sensíveis da perspetiva de várias personagens, com especial foco em Eve e nos seus aliados, sem qualquer leviandade e um tratamento que merece elogios. É uma narrativa relativamente simples, mas com camadas que merecem atenção e aguçam a curiosidade. Especialmente importante pois terás a opção de escolher entre 2 finais, o que afeta o boss final e os últimos minutos da campanha.
Stellar Blade segue exemplos de obras como The Matrix e Blade Runner para questionar o significado de ser humano, de existir, o que significa inspirações em obras como a Bíblia. Eve é um anjo vindo do céu para salvar a humanidade de monstros, sempre movida pelo desespero de evitar um iminente apocalipse que remova definitivamente da Terra o que resta da humanidade
No entanto, figura desde o início a questão se Eve, Tachy e os Anjos são realmente humanos. Parecem androides, mas identificam-se como humanos, altamente evoluídos com o apoio da tecnologia, para enfrentar os monstros Naityba que deixam o que resta da humanidade em constante medo, forçados a viver em Xion, a última cidade humana. É The Matrix, é Blade Runner, é uma nova perspetiva de temáticas frequentemente exploradas pelos japoneses, povo que viveu o mais próximo que tivemos de um apocalipse com as bombas atómicas, mas visto da perspetiva de uma jovem equipa coreana.
Tudo isto para dizer que a narrativa, apesar de olhar de forma menos dramática para muitos destes conceitos, conquista. Se pensavas que seria um mero adereço porque o foco estava todo no gameplay e na protagonista, a Shift Up tem algo para te provar errado. A tua perspetiva sobre o que são ou quem são estas personagens mudará ao longo do jogo e até existe espaço para abordar temáticas como o impacto da emergente inteligência artificial sobre o ser humano.
Design semi-linear
Esta narrativa repleta de cutscenes espetaculares, muitos dos melhores momentos estão relacionados com as acrobacias de Eve, é apresentada ao longo de níveis lineares, mas a experiência foi ajustada para incluir zonas abertas, onde estão a maioria dos objetivos das missões secundárias. Algo peculiar que devo referir é que perto das 14h de jogo (depende do quão focado estás na campanha), és informado que se continuares não poderás voltar atrás. Se aceitares, começa uma fase de missões de história de design linear que te levam ao longo de aproximadamente 7h de combate e descobertas existenciais. Se seguires, não poderás completar as missões extra que ficam pendentes.
A demo é efetivamente uma fiel representante do que terás na maioria do restante jogo, com a exceção dos dois desertos abertos com imensas missões extra, mas vamos por partes. Existem várias zonas como a da demo, de tom linear, mas com espaço para alguns segredos para quem se desvia do percurso principal. Terás atalhos para desbloquear e baús que só poderás abrir mais tarde. Quando chegas a Xion, poderás explorar a cidade e conversar com os habitantes, que te dão missões extra.
Se não quiseres seguir para a próxima zona e continuar a narrativa principal, podes voltar a zonas já visitadas e cumprir essas missões secundárias. A maioria delas é simples, mas existem várias com a sua própria narrativa, algumas delas abrem acesso a novas áreas em locais pelos quais já passaste, e acrescentam valor ao gameplay, tornando gratificante investir nestas tarefas opcionais. Nem todas conseguem esse efeito, mas se quiseres obter materiais para criar todos os fatos e melhorias para Eve, sentirás sempre que recompensa, mesmo que nem todas forneçam mais detalhes deste mundo.
Ao apostar num design linear para os níveis de campanha, a Shift Up consegue um tom cinematográfico e focado para esta vertente importante da experiência, mas ao incluir zonas abertas, consegue fornecer conteúdo capaz de satisfazer os que associam este combate a missões extra e a exploração por segredos. É um design equilibrado que será capaz de satisfazer a maioria dos jogadores, sejam os que querem seguir a campanha ou os que querem mais do que design linear.
A dada altura, tive de me lembrar que precisava continuar a história pois estava a divertir-me ao passear por estes locais, a completar missões extra e a descobrir as histórias destes habitantes na última cidade da humanidade, especialmente a disparidade de opiniões sobre o papel dos Anjos vindos do céu para cumprir a missão da Mãe Esfera e salvar a humanidade dos monstros Naytiba.
Mecanicamente, as missões extra não incluem propriamente diversidade no gameplay, mas contam-nos novas histórias, apresentam mais desafios e permitem explorar todos os cantos dos diversos locais imaginados pela equipa coreana.
Sistema de Combate e melhorias de EVE
Stellar Blade é uma experiência altamente familiar em praticamente todos os seus elementos, incluindo o gameplay. O efeito é o mesmo de Lies of P em relação à FromSoftware: um jogo muito familiar, derivado de trabalhos existentes, mas na mesmo algo próprio, com a sua identidade formada a partir do estudo do trabalho de outros, feito com tamanha qualidade que origina algo merecedor de elogios. A Shift Up mostra que passou imenso tempo a jogar jogos de ação japoneses e a pensar ‘se fosse eu, faria isto, mas incluiria isto’ ou ‘adoro o combate, mas se fosse um pouco mais estratégico seria ainda melhor’. Isto resulta num sistema de combate eletrizante e acrobático como Devil May Cry ou Bayonetta, no qual mecânicas como o parry e dodge que abranda o tempo se tornam fundamentais.
São ideias que formam parte essencial do gameplay de diversos outros jogos, reunidas num só jogo afinadas para se tornar imediatamente gratificante, mas exigente e recompensador quanto mais atenção e dedicação lhe prestas. Mesmo jogado em Normal, é um sistema de combate que não apresentará grande dificuldade para veteranos do género, mas existem momentos que exigem respeito, especialmente os mini-bosses ou bosses. No entanto, a Shift Up permite-te escolher e melhorar diferentes equipamentos para a coluna de Eve, o que lhe confere buffs adequados ao teu estilo de jogo, sem esquecer que se cumprires as missões extra terás mais equipamentos e dinheiro, o que permite comprar itens de cura e resistir aos momentos mais difíceis.
O sistema de combate é muito divertido, mesmo com alguma regras que poderás considerar menos positivas (como regras específicas no cancelar de movimentos ou a velocidade com que Eve alterna entre algumas animações), especialmente porque é simples de aprender, mas com diversos combos que ajudam a diversificar os movimentos que estarás constantemente a executar. Elementos como o Parry são muito gratificantes, especialmente o efeito visual do parry perfeito, e posso dizer o mesmo do dodge, pois quando o fazes no timing certo o ritmo de jogo abranda e isto confere enorme satisfação. A Shift Up estudou bem a lição. Além disso, tens de usar o parry e dodge perfeitos nas lutas mais intensas, tens de aprender a ler as pistas visuais que os inimigos criam para saber quando defender, quando desviar. Ao longo do jogo, vais perceber que és premiado por aprender os padrões dos inimigos, pois nem sempre poderás defender duas vezes seguidas e muitos golpes não podem ser defendidos.
Com um combate simples, mas altamente gratificante capaz de causar descargas de adrenalina no jogador, Stellar Blade inclui ainda os buffs via equipamento de Eve para afinar o gameplay a gosto pessoal, mas diria que são as diversas habilidades que podes desbloquear com XP ganha ao matar inimigos que criam ainda mais profundidade.
Seja para movimentos como dodge perfeito, extensores de combo, recuperador de energia Beta (usada nas habilidades), reforçar de habilidades ou aquisição de novas, a Shift Up criou árvores de habilidades simples de interpretar e que permite personalizar o estilo de combate, mesmo que eventualmente as consigas a todas (somente ao cumprir as missões extra serás capaz disso). Eventualmente, serás capaz de ativar um estado especial temporário que deixa Eve quase invencível e também isso pode ser reforçado com o desbloquear de novos patamares na sua respectiva árvore.
Gráficos e som
A Shift Up recorreu ao Unreal Engine 4 para criar uma campanha de forte teor cinematográfico e como o design é na sua esmagadora maioria linear, se te focares na campanha, isto permitiu criar momentos visuais fantásticos. Existem elementos mais simples nos cenários, as áreas abertas existem ativos de menor qualidade que destoam do resto, mas no geral é uma experiência gráfica muito bem conseguida, com especial foco para a qualidade dos modelos das principais personagens.
Mesmo que os modelos dos Naytiba sejam relativamente limitados na sua diversidade, a maioria deles está bem conseguida e existem bosses fantásticos em detalhe. Os diversos fatos de Eve exibem diversos detalhes impressionantes, com um recriar de texturas capaz de facilmente impressionar, o que significa que este jogo de ação ostenta a necessária eletricidade tanto no gameplay como nos visuais, mesmo que não esteja totalmente livre de falhas.
Na componente sonora, é mais um comprovativo que estes pupilos jogaram tantos jogos quanto tu jogaste e adoram com igual intensidade o trabalho dos grandes mestres. Ao recrutar a Monaca Studio de NieR: Automata, Nier Replicant e outros, asseguram que escutas temas que vais adorar e ajudam a criar uma personalidade melancólica como pretendido.
Duração
Podes terminar a campanha de Stellar Blade em cerca de 20h, se te quiseres focar única e exclusivamente na história, mas terás de jogar em Easy ou desfrutar de um elevado talento neste tipo de combate de ação, como quem diz, precisas de bons reflexos. Stellar Blade torna-se 90% linear se te focares unicamente na campanha, por isso não ficarás perdido (o sonar permite-te avistar sempre a direção em que está o objetivo), mas existem diversos bosses e até algumas secções que vão testar a tua habilidade.
Para quem está habituado aos jogos de ação e combate japoneses, o modo Normal de Stellar Blade poderá ser muito fácil, com a exceção de três boss fights na reta final (mesmo assim tens itens que te ajudam imenso). Para os veteranos do género, terás de jogar em Normal e terminar para jogar novamente do início em Difícil e tentar obter o outro final que não escolheste. Por enquanto, não existe New Game Plus.
Se quiseres explorar a sério e cumprir todas as missões extra, descobrir e evoluir ao máximo os melhores itens para Eve, precisarás de quase do dobro desse tempo. A recompensa é a descoberta de diversos locais que de outra forma não conheceríamos, ver mais histórias sobre o que se passou com diversas personagens e saber mais do estado da humanidade, da Mãe Esfera e dos Naytiba.
Conclusão
Stellar Blade pode não ser tudo o que queria, mas é tudo o que precisava, um jogo de ação e estilo que me fez sentir toda a diversão que senti quando joguei os melhores títulos do género da PlatinumGames, ao ponto de me fazer pensar em muito mais do que NieR: Automata ou Bayonetta. Fez-me pensar em Vanish, Blade Runner, The Matrix, e Evangelion. As temáticas são duras e intensas, abordadas num tom um pouco mais ligeiro do que Yoko Taro fez na sua obra japonesa, numa trama que aguça a curiosidade e um gameplay fácil de aprender, mas difícil de dominar. Stellar Blade conquistou o seu lugar entre os jogos que o inspiraram.
Prós: | Contras: |
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