Stray - atmosférico e envolvente
Jornada felina com um toque artístico espetacular.
É fácil olhar para Stray e sentir que é o mais recente e fascinante exemplar que mostra a evolução de toda uma indústria, que se ramificou para unir criadores e jogadores de formas inesperadas, que vibram com uma compreensão e gosto muito similares. Há muito que este nosso passatempo mudou por completo e se transformou num espaço onde o paladar dos jogadores degusta das mais variadas experiências, onde os grandes blockbusters coexistem com adoráveis experiências que não seguem os tão restritivos moldes aos quais estão cingidos os que pretendem ser sucessos entre as massas.
Anteriormente ameaçada por uma realidade focada quase exclusivamente em jogos de ação e desporto, com um reduzido número de lançamentos, a indústria dos videojogos rejuvenesceu com a chegada das produções independentes, com a crescente facilidade de pequenas equipas servirem ao mundo a sua arte. O nosso paladar tornou-se mais requintado, desfrutamos de mais opções de escolha e podemos sentir alegria em dizer que vivemos numa era em que além de dispararmos balas ou chutarmos bolas, também controlamos gatos.
É refrescante como podemos jogar experiências que aguçam a nossa curiosidade, enriquecem a nossa alma e dão de beber à nossa sede por algo mais do que a banalidade que, apesar de divertida e reconfortante, ameaçava dominar por completo o nosso menu. Stray é o mais recente exemplo de um título humilde, mas com grande qualidade para merecer o teu tempo. Um jogo engenhosamente simples, curto e com mecânicas extremamente fáceis de aprender, mas que ainda assim é capaz de estimular o teu cérebro. Sem esquecer que é altamente adorável e será ainda mais para quem gosta de gatos.
Stray da BlueTwelve Studio, pequeno estúdio francês com 18 funcionários, imagina uma cidade cyberpunk distópica, na qual os seres humanos desapareceram e no seu lugar temos robôs que imitam os comportamentos dos humanos. Mais do que isso, estes robôs não se limitam a questionar se aquela roupa lhes fica bem, também são assolados por questões existenciais e sonham com o dia em que o abominável teto da gigantesca cúpula se abrirá para sentirem pela primeira vez o toque da luz do sol e ver o céu azul.
Stray é muito mais do que um jogo sobre um felino que saltita entre canos para navegar por uma cidade desolada e voltar para a sua família. Esse é o ponto de partida, é a meta final, mas pelo meio existe toda uma série de mensagens partilhadas de forma astuta que fazem eco com o jogador. Usar um gato e robôs num futuro no qual os humanos foram dizimados por uma pandemia, criaturas criaturas que se comportam como um vírus destrutivo, acaba por se tornar numa engenhosa abordagem a questões sensíveis que percorrem a esmagadora maioria dos seres humanos.
Isto resulta numa experiência de aventura e puzzles na qual controlas o pequeno gato, que se separou da sua família e acaba por iniciar uma jornada quase ao estilo de "Um Conto Americano". Ao invés de Fievel, tens um gato e um amigo robô que o ajuda em tudo o que está relacionado com a tecnologia e nos diálogos com os robôs. Construído com forte sintonia entre um design simples apoiado por pistas visuais de grande estilo artístico, para uma enorme fluidez ao percorrer os níveis, Stray é um jogo pensado para ser simples de jogar e altamente linear (pelo meio dos capítulos existe um hub onde podes executar tarefas opcionais e prolongar um pouco mais a jornada).
Saltitar entre os cenários para chegar ao objetivo, escapar das pequenas criaturas que consomem tudo o que vêm à frente, resolver pequenos puzzles como encontrar códigos de portas ou pistas escondidas nos cenários, e ainda encontrar partituras musicais para um robô recuperar o seu gosto pela música, é o que farás em Stray. Acima de tudo é a conjugação tão harmoniosa do gameplay com um gato, uma perspetiva tão fofinha e específica, com as temáticas devastadoras e desoladas de uma humanidade ausente que fazem de Stray uma experiência de tão grande apelo.
Existe um hub onde podes completar algumas tarefas extra, mas o mais deslumbrante de Stray são os locais inspiradores por onde passas, com um apaixonante toque artístico. A atmosfera de Stray é simplesmente arrebatadora e o estúdio merece elogios pela forma como combina a sensação de maravilhamento e desconhecido. Sim, é um jogo sobre um gato e sentimo-nos perdidos num mundo estranho e repleto de perigos, mas também é um jogo sobre aventura, sobre arriscarmos fora da nossa zona de conforto e termos a capacidade de ir mais além do que seria de esperar, irmos além do que nos foi traçado. É a sensação de tristeza e fatalidade que cria a tão boa atmosfera que envolve Stray, mas é a esperança e sensação de aventura que o gatito traz e o torna tão enriquecedor.
Chega a ser surpreendente como Stray não é propriamente um jogo sobre gatos, sendo um jogo sobre gatos. É um jogo sobre a humanidade, sobre a confortável sensação de sentirmos que não precisamos ser especiais para viver algo especial. Que a simplicidade não é inimiga da aventura, que a humildade é um trunfo na vida e a sede por mais não significa desrespeito pelo que temos. Existem imensas mensagens válidas e pertinentes em Stray, todas elas construídas em torno de um simples, mas divertido gameplay onde controlas um gato, o que exige um design com verticalidade para saltitar e demonstrar as animações felinas tão credíveis.
Apesar da curta duração, podes acabar Stray em pouco mais de 4 horas, este é um daqueles jogos em que o valor da jornada é largamente superior ao tempo que demoras a chegar ao final. O prémio está em percorrer o caminho e não cruzar a meta, é algo que a BlueTwelve conseguiu realizar em pleno. Além da especificidade de jogar com um felino cujos controlos transmitem uma boa sensação, Stray conquista com a sua sensacional atmosfera, o néon ilumina uma cidade desolada e forma um contraste de alto teor artístico.
Prós: | Contras: |
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