Super Lucky's Tale - Análise
Trevo dá sorte.
Na semana passada estrearam na Xbox One (X) e também para o PC as aventuras da raposinha Lucky em Super Lucky's Tale. É impossível olharmos para esta charmosa aventura 3D sem pensarmos nos grandes clássicos da Rare, como Banjo-Kazzoie, Conker, Viva Pinata, passando por Super Mario 64 e Crash Bandicoot. Trata-se de uma produção da Playful, em exclusivo para as consolas da Microsoft e PC e que bem podia ter sido realizada pelos britânicos da Rare, sendo esse talvez o ponto mais saliente. É que apesar da simpatia da personagem, dos ambientes aconchegantes e da boa construção dos cenários, sobra a sensação de que faltou um pouco mais para tornar esta obra grandiosa e especialmente merecedora dos melhores elogios.
Durante anos, primeiro nas consolas da Nintendo e depois na Xbox, a Rare soube fazer produções 3D ao nível de um Super Mario, como poucas produtoras. Qualquer coisa de fascinante e sublime naqueles mundos e naquelas peculiares personagens tornavam os seus jogos especialmente apelativos e brilhantes. No fundo é isso que falta em Super Lucky's Tale, o nível adicional de produção capaz de elevar ainda mais a qualidade da obra, porque de resto estamos perante um jogo muito eficiente e capaz de devolver a nostalgia das boas aventuras em 3D em jeito de uma animação, afastada por isso de cenários e ambientes realistas.
Contudo, há por detrás desta versão uma breve ligação ao Oculus Rift, dado estarmos perante a sequela do original Lucky's Tale, um exclusivo do sistema de realidade virtual apoiado pela Microsoft. Embora ligados, não é necessário terem jogado o original a fim de compreenderem a nova aventura. Na verdade, temos desta vez a estreia em esfuziantes aventuras da raposa Lucky, enquanto a irmã Lyra é já uma versada nestas andanças. Mas o malvado gato Jinx anda por perto, disposto a mergulhar o mundo no caos. Cabe a Lucky a tarefa de operar com sucesso o resgate da irmã ao mesmo tempo que irá viajar por grandes áreas e conhecer múltiplos e gigantescos oponentes.
À semelhança dos jogos que serviram de inspiração à Playful, também esta simpática e divertida raposa terá saltar entre plataformas e interagir de forma peculiar, recorrendo a algumas habilidades a fim de suprir os objectivos. As acções são muito simples e eficazes. Depois de uma breve secção cinematográfica, começamos a explorar as acções numa pequena área que compreende os primeiros inimigos e moedas, no jeito de Super Mario. O salto sobre os inimigos é a primeira e natural forma de os eliminar, embora possamos saltar e rodopiar a cauda como forma de ataque alternativo, por vezes uma habilidade necessária para accionar algum mecanismo, como uma alavanca ou um interruptor.
Por outro lado, esta raposa é capaz de cavar um pequeno buraco e romper pelo solo à semelhança de uma toupeira, o que lhe permite não só amealhar mais moedas como debelar algumas ameaças. As habilidades são rápidas, intuitivas e fluidas. O processo complica-se por vezes devido ao ângulo da câmara e à dificuldade pela perspectiva em percebermos a distância que medeia até à plataforma mais próxima. Só para contextualizar, suponham uma série de plataformas afastadas entre si. É possível saltitar entre todas de modo a chegar ao oposto extremo, mas pressionem com menos intensidade um salto, calculando de forma errada a distância, para falharem o avanço, podendo cair no abismo, o que equivale a deixar ali uma vida. Situações como esta tendem a ser frequentes.
Claro que podem sempre ajustar a câmara posicionando da melhor forma a personagem, mas naquelas situações de maior fragilidade quando se requer rápidas acções por força de um inimigo maior nas redondezas, pode ser um tanto mais complicado gerir a situação da melhor forma. Há também uma opção que permite apontar a câmara para onde estiver virado Lucky, talvez a melhor solução. De resto não existe um grande número de vidas, mas não sendo este um jogo particularmente exigente é provável que perdendo uma ou outra nalguma situação por força da perspectiva, possam prosseguir. A única circunstância menos agradável neste processo é que ao esgotarem o stock de vidas são obrigados a voltar ao começo da área. Não progridem a partir de pontos intermédios nem podem ultrapassar as "cinematográficas" que haja pelo meio.
Ao contrário de experiências mais recentes que incorporaram mundos abertos e não lineares, designadamente Yooka-Laylee, nesta obra da Playful os níveis são bem mais herméticos e lineares, podendo nalguns deles proporcionar maior abertura e algumas chances de exploração. Mas de um modo geral a progressão é muito linear, ainda que tenham que resolver "puzzles", activar mecanismos e evoluir dando determinados passos até chegarem ao final. As áreas ou níveis ficam disponíveis depois de recolhido um conjunto de trevos. O objectivo passa por recolher o maior número de trevos possível, ganhando acesso, dessa forma, a mais áreas de jogo.
Não sendo muito rebuscados, particularmente engenhosos ou criativos, os níveis de Super Lucky's Tale oferecem alguns pontos de interesse, ainda que na sua maioria não projectem a intensidade e profundidade de um Super Mario Odyssey, particularmente na sequência de surpresas, bem menores nesta aventura desenhada pela Playful. Mas quando comparado com um Sonic, verifica-se maior coesão e solidez, o que promove agradáveis sensações, sobretudo no quadro da jogabilidade. Nalgumas áreas temos vários objectivos a cumprir, em especial uma série de coleccionáveis como cristais, vidas adicionais, corações regeneradores de saúde e até os tais trevos.
Muitos estão colocados em pontos distantes e por vezes fora do caminho até ao final do nível, pelo que valerá a pena explorar livremente até adiante. Quem sabe não está ali uma surpresa. Outras vezes a finalização do nível depende de um puzzle ou da realização de um objectivo. Não existe uma meta, a não ser nos níveis em formato "side scroll", algo que o jogo introduz de forma regular, lembrando por exemplo os níveis de Donkey Kong. É aliciante encontrar todas as letras da palavra Lucky, uma tarefa que introduz um pouco mais de longevidade.
Os puzzles são interessantes, longe do rebuscado e do enfadonho de andar sempre de a saltar de uma área para a outra. Não deixam de protagonizar um bom desafio mas a sua estrutura linear é bem mais apetecível, cumprindo esquemas de lógica e ciência que põem à prova a nossa concentração. Em termos de arte e design, o jogo apresenta uma estética muito próxima das animações, com visuais 3D elaborados, embora não muito sofisticados. As áreas são muito mais tradicionais, sem grandes inovações ou detalhes, faltando sobretudo aquele toque criativo adicional que estúdios como a Rare ou EAD Tokyo (da Nintendo) são capazes de edificar. Não é um jogo que define um estado de arte, mas que acaba por representar bem e por se mostrar altamente funcional dentro do circuito de jogos que servem de influência.
Dito isto, cumpre dizer que Super Lucky's Tale é um divertido e interessante jogo de plataformas em 3D, capaz de prestar tributo a alguns clássicos como Banjo, Conker e Super Mario. Mas no momento em que acaba de ser publicado Super Mario Odyssey, a recente produção que deriva precisamente desse género, observamos graus de evolução distintos. Não obstante, o jogo da Playful proporciona bons momentos e seguramente é interessante junto de uma audiência mais jovem. Falta-lhe aquele nível extra de produção, mas ainda assim apraz-me ver imenso uma produção como esta, voltada para a exploração individual, imensamente colorida e dotada de uma jogabilidade eficaz.