Tales of Zestiria - Análise
Hideo Baba e equipa continuam a carburar.
Depois de Tales of Vesperia, Tales of Graces, e os dois Tales of Xillia, a série "Tales of" de Hideo Baba tem demonstrado uma clara tendência: gameplay divertido, designs de mundo razoáveis, personagens caricatas e enredos um pouco confusos que deixam muito perdido pelo caminho. Tales of Zestiria, este mais recente lançamento, segue exactamente esse mesmo molde que temos acompanhado nos últimos 7 anos, beneficiando de todos os ajustes e melhorias que têm sido aplicados ao sistema de combate, incutindo ligeiras mudanças contextualizadas com a narrativa, colocando o jogador num mundo de incrível fantasia onde irá inevitavelmente conhecer personagens caricatas. Ao contrário dos dois Xillia, Zestiria coloca os elementos sci-fi quase no zero e concentra-se, tal como Vesperia e Graces, num ambiente de maior fantasia medieval, o que acaba por maior apelo pessoal. Sendo uma série que apesar de um ligeiro aumento de popularidade continua a ser, principalmente, direccionada para o mesmo público, é fácil perceber que as características da série ainda continuem a suscitar interesse.
Zestiria foi lançado no Japão apenas para a PlayStation 3 mas no Ocidente teve direito a versões PC e PlayStation 4, a versão que foi aqui analisada. Cada jogo na série Tales coloca-nos perante um perigo que envolve todo o mundo, duas ou mais nações em conflito e um protagonista com um objectivo e uma qualquer resolução para encontrar ao longo do seu percurso. Estes são alguns dos elementos básicos da fórmula Tales e o mais curioso é que, para o bem e para o mal, Zestiria é inconfundivelmente um jogo Tales. Um jogo que dificilmente irá surpreender alguém pela sua estrutura ou escala mas que será precisamente aquilo a que estamos habituados, com maior ou menor qualidade. Por outro lado, apesar de se colocar na sua zona de conforto, consegue ainda assim dar alguns passos mais arrojados, especialmente no que diz respeito à sexualidade do protagonista. Talvez seja esta a melhor forma de descrever Tales of Zestiria: uma face familiar à qual sorrimos sempre que a voltamos a ver.
Zestiria transporta o jogador para um mundo de fantasia no qual a paz é ameaçada por uma incrível malevolência. Esta carga negativa é de tal forma gigantesca que ameaça colocar o mundo à beira do abismo e caberá a Sorey, o protagonista, com a sua vontade de ajudar os outros, descobrir a causa de tamanha cruel intenção. Sorey foi criado num aldeia de Serafins, criaturas superiores que devido ao seu afastamento dos seres humanos, caíram no esquecimento. Ao lado do seu amigo Mikleo, um Serafim, Sorey terá que explorar o mundo e evitar um conflito entre duas nações. Com a ajuda de Leilah, um serafim com o elemento do fogo, irá tornar-se num Pastor com a capacidade para enfrentar os hellions, animais ou seres humanos que por algum motivo ou outro foram corrompidos pela malevolência e se tornaram em monstros. Ao longo da sua jornada, Sorey irá ainda encontrar outros humanos como Alisha que se tornarão seus companheiros e tudo farão para limpar o mundo da maldade.
A "banal" luta entre o bem e o mal é levada a outros patamares graças a tramas políticas e sociais, especialmente pela forma como a humanidade foi com o tempo perdendo a devoção aos Serafins e consequentemente as suas terras ficaram desprotegidas quando perderam a sua benevolência. Sorey terá que percorrer Hyland e Roland, dois reinos em confronto, para limpar as cidades, as pessoas, dos males que as corroem para cumprir o seu papel enquanto Pastor. Nem tudo correrá como previsto e o que importa é que o enredo central de Zestiria funciona muito bem. O jogo não se importa em enrolar o jogador e é até directo, mesmo que algumas situações sejam simplesmente desnecessárias. Pena que o mesmo não se possa dizer de todos os elementos narrativos que foram concebidos e aqui inseridos. Apesar da trama central e principal nos introduzir num conto de fantasia que nos envolve, existem muitas outras partes menores de toda a trama que ficam perdidas e outras que não conseguem o potencial sugerido. Posso até dizer que em alguns instantes Zestiria cria um suspense para uma resolução ou acontecimento que não está à altura.
No entanto, a ideia de combinar crenças em algo maior, a benevolência que um simples gesto pode envergar contra a conspiração que toda uma malevolência precisa para resultar, são bons traços num enredo que poderia ir mais além e ser mais directo. Frequentemente Zestiria poderá perder o impacto e até podem sentir que jogam mais pelo gameplay em si do que propriamente pelo enredo. No entanto, melhor que nos anteriores, a todo o instante consegue saber o que se passa, para onde têm que ir e o que precisam fazer, basta falar com a companheira humana que vos segue bem de perto a todos os instantes. Será provavelmente o gameplay, que assenta na fórmula sobejamente conhecida de Tales, que vos irá conquistar, e isto porque foram introduzidas pequenas mas preciosas melhorias que a todos os instantes trabalham em conjunto para permitir uma experiência mais simplificada, mais cómoda e directa.
Hyland e Roland são os dois reinos pelos quais o Pastor Sorey e a sua comitiva de Serafins irá procurar uma resolução para toda a maldade. Pelo caminho, irá devolver a fé dos humanos nos Serafins e abençoar as diferentes regiões. Estes reinos estão divididos por cidades como Ladylake, Glastonbell ou Pendragon, masmorras como grutas ou templos perdidos, e áreas maiores a simular um mundo aberto, as planícies que ligam as diferentes regiões. Existe um sistema que permite viajar instantaneamente entre locais e ajuda imenso sendo desde logo na estrutura do jogo que entendemos como Zestiria está tão igual ao que veio antes mas implementou pequenas melhorias para tornar menos constrangedora a experiência. Especialmente na forma como permite ao jogador aceder a ferramentas que permitem personalizar o ritmo da experiência: se quiserem passear pelo jogo, escolham a dificuldade normal, viagem entre pontos de save, sejam directos e sentem que o jogo restringe pouco. Desta forma conseguem em cerca de 25 horas terminar Zestiria, o que é pouco para um jogo da série. Se pelo outro lado quiserem percorrer o mundo para trás e para a frente, se quiserem enfrentar as masmorras opcionais ou se quiserem descobrir tudo, terão que despender de pelo menos umas 40 horas.
Em dificuldade normal, o jogo é uma brisa e só mesmo alguns bosses vos obrigarão a repetir a batalha. Quase nem precisam enfrentar monstros no mapa mundo, basta enfrentar os que vos atacam nas masmorras e estão mais do que aptos para continuar. Desta forma, é facilmente um dos jogos mais fáceis da série mas em bom nome da verdade, Zestiria está desenhado para ser jogado uma segunda vez numa dificuldade superior. Assim que estiverem ambientados com o jogo, assim que conhecerem as suas mecânicas e assim que o ritmo lento inicial passar, ficam perante uma experiência que apesar de simples é eficaz no que diz respeito a fantasias oriundas do Japão.
Isto porque o sistema de combate é o melhor elemento do gameplay, tal como vem sendo habitual na série. Zestiria coloca-nos no controlo de Sorey mas graças à sua posição singular como Pastor, ele consegue unir-se aos Serafins que o acompanham, o sistema Armatization e forma um híbrido muito poderoso especializado no elemento desse Serafim. É o elemento principal dos combates em Zestiria e rapidamente descobrem que encadear combos servirá para aumentar a barra de Encadeamento Espiritual para podermos recorrer a esses híbridos e despachar os ataques. Verificar o elemento ao qual o adversário pertence para responder com um híbrido do elemento oposto é a melhor forma de descrever o ritmo dos combates.
Zestiria é rápido, dinâmico e altamente simples. É muito divertido e o sistema de combates é mesmo o mais gratificante. Todos os outros elementos de Zestiria podem ostentar uma qualidade discutível e podem afectar de diferentes formas quem joga mas o sistema de combate dificilmente encontrará queixas. É provavelmente o mais interessante que encontrei na série pela forma como incute velocidade e simplicidade nos combates conseguindo ao mesmo tempo incutir regras. Temos uma barra que gere os movimentos que podemos executar em sequência, quando essa barra (azul) fica a zero não podemos atacar ou movimentar, apenas proteger, e temos ainda que gerir os ataques super-poderosos que podem decidir logo um combate. Pode ser muito simples mas a velocidade dos combates e a facilidade com que usufruímos dos híbridos poderosos não impede que seja precisa gestão e atenção.
De cidade em cidade, limpando a malevolência que as aflige (eliminando o ser humano que cedeu à maldade que sentia dentro de si perante os flagelos da humanidade) Sorey e a sua comitiva vão desbravando caminho e enfrentando desafios. Apesar do ritmo de jogo ser suave e não prejudicar de forma alguma o jogador, apesar das cidades interessantes que conhecemos (especialmente quando aprofundamos a causa do mal que as assola) o grande problema de Zestiria está na repetição de cenários. As masmorras são quase todas iguais, muda apenas a cor e o design, e os inimigos mudam de cor e ficam com estatísticas melhoras. É um problema que não senti com tanta força nos anteriores jogos da série e é pena que a dada altura se torne aborrecido explorar Zestiria porque as masmorras são versões diferentes de si mesmas. O mesmo não posso dizer dos brilhantes templos onde iremos enfrentar alguns desafios de Serafins. Podem até dar cabo da paciência e estão desenhados com agradável astúcia.
A livre exploração de Roland e Hyland, o divertido sistema de combate, a possibilidade de unir os personagens em híbridos, os pequenos ajustes que tornam menos incómodos determinados processos da experiência, o enredo central e os personagens principais relembram bem porque é que Tales of é uma série cujo público é fiel. No entanto, também é fácil perceber porque tem imensas dificuldades em conseguir juntar mais adeptos pois muitos dos seus elementos podem ser encarados datados ou menos evoluídos. Zestiria consegue dar alguns passos em frente mas são pequenos e somente um fã de sempre os poderá saborear em pleno. Ainda mais pena podemos sentir quando não consegue afastar-se da sensação que um jogo na série não consegue um pleno, na balança há sempre algo que perde. Enquanto o design, estrutura e gameplay consegue divertir, apenas o conceito central da trama conquista pois o resto vai-se perdendo.
Nessa balança devemos ainda ter em conta que apesar de Tales of Zestiria ser um jogo divertido, na sua versão PlayStation 4 e PC mais poderia ser descrito como um remaster. As raízes do jogo na anterior geração são por demais evidentes e afectam não só o design das suas masmorras, demasiado simples e repetidas diversas vezes, como afecta a estrutura de muitos locais que se tornam tão simples que a sua pobre qualidade gráfica nem é o principal dos problemas. Algumas texturas parecem más de mais, até para os padrões da PlayStation 3, e é fácil perceber que a estrutura/design das masmorras é horrivelmente simples. É mesmo pena pois na maior parte do tempo preferimos nem lhes prestar atenção e somente focar nos combates.
Enquanto os personagens envergam uma qualidade agradável, os cenários nos locais maiores são tão simples que chega quase a ser insultuoso verificar isto na PlayStation 4. Dentro das cidades as coisas melhoram e nas sequências em que vemos a história progredir Zestiria consegue agradar mas grande parte do tempo é passado a olhar para elementos gráficos de pobre qualidade, acabando por ser difícil não desejar que mais tivesse sido feito. São estes pequenos problemas que afectam uma experiência que de resto é divertida, se bem que não consegue fazer muito para levar o género mais além. Pior ainda é quando isto afecta a performance e em alguns momentos de maior aperto o jogo é assolado por horríveis soluços em que perdemos quase por completo o controlo.
Para o bem e para o mal, Tales of Zestiria é um perfeito exemplar de tudo o que representa a série. Enquanto as pequenas melhorias reforçam a experiência, a fundação na anterior geração não impede que seja um jogo muito variável em termos de performance e qualidade gráfica. A confusão que se pode instalar em alguns elementos do enredo e a falta de melhor resolução em outros, são colocados na balança ao lado de um enredo base interessante e um gameplay do qual podemos desfrutar confortavelmente. Tales of Zestiria não foi o melhor Tales que joguei nos últimos anos, mas graças a muitos elementos tornou-se no mais gratificante.