That Dragon Cancer - Análise
Um jogo capaz de vos pôr a chorar.
Já alguma vez se sentiram impotentes perante alguma situação, sem qualquer hipótese de impedir que algo aconteça e de prever que vai acontecer? É uma sensação no mínimo desconfortável, mas eventualmente, no decorrer da vida todos vamos encontrar uma ou mais situações destas, e nem sempre o desfecho será feliz.
A família Green deparou-se com uma destas situações quando o seu filho Joel, com apenas 1 ano de idade, foi diagnosticado com um tumor cerebral. Depois de uma cirurgia e de nove meses de quimioterapia intensa, o pior aconteceu: o tumor voltou. A três dias de fazer dois anos, os médicos não davam mais do que alguns meses de vida ao Joel, no entanto, e apesar de não passar de uma criança, continuou a lutar contra a doença durante muito mais tempo e a receber tratamentos paliativos para aliviar os efeitos do tumor.
That Dragon Cancer é, de certa forma, uma autobiografia da família Green e da luta de Joel contra esta horrível doença. Não é propriamente uma autobiografia pois muitos detalhes são deixados de fora, no entanto, o jogo é uma janela para os momentos mais marcantes na vida de Joel, ainda que estes momentos estejam envolvidos em muitas metáforas criadas pelos cenários imaginativos.
A força deste jogo vem muito da história em que se baseia. Enquanto outros títulos tentam surpreender e marcar pelos gráficos e/ou pela jogabilidade, a força de That Dragon Cancer está na emoção. E esta emoção não é lúdica, no sentido que é divertido jogar. As cenas mais fortes são como se tratassem de um murro no estomago ou de uma chamada que nos acorda para a realidade. Em alguns momentos, o desespero retratado pelos pais de Joel é tanto que o jogo chega mesmo a ser deprimente.
Ao longo dos seus doze capítulos, That Dragon Cancer vai rodando de perspectiva. Há capítulos nos quais encarnamos Joel, outros nos quais vemos a perspectiva do seu pai e da sua mãe. Por vezes, também ouvimos falas vindas dos seus irmãos. Embora a doença de Joel seja sem dúvida o centro do jogo, parece-me que That Dragon Cancer é mais do que uma história real sobre a luta de uma criança contra um tumor cerebral.
"Ninguém consegue ficar indiferente, mesmo que não sejam pais."
Acima de tudo, That Dragon Cancer é um jogo que nos faz sentir humanos, frágeis e incapazes, mas que ao mesmo tempo nos ensina a dar valor aos pequenos prazeres da vida e a todos aqueles que nos rodeiam: os amigos, a família, namoradas(os), esposas (maridos) ou até mesmo animais de estimação. Por incrível que pareça, também nos ensina a ter esperança, mesmo quando parece que o nosso mundo está prestes a desabar. A lição que o jogo nos dá é que a vida é uma montanha-russa feita de altos e baixos, e que mesmo nos momentos baixos, ainda há espaço para esperança e alegria.
Dito isto, existem sem dúvida momentos nos quais os mais sensíveis vão chorar. As lágrimas nunca me chegaram a escorrer pela cara, mas os meus olhos ficaram lacrimejantes mais do que uma vez. Quando ouvimos Joel a chorar de desespero, e vemos o seu pai a tentar acalmá-lo de variadas formas (mas nenhuma resulta pois não há nada realmente que possa ser feito), ficamos completamente embalados no momento, a sentir um turbilhão de emoções. Ninguém consegue ficar indiferente, mesmo que não sejam pais.
O jogo procura ao máximo sugar-nos para o momento que está ali a ser retratado, e consegue efectivamente essa proeza, funcionando como um quadro em tempo-real. A narrativa feita às vezes pelo pai, e outras vezes pela mãe, juntamente com as gargalhadas adoráveis de Joel e o seu choro desesperante, são como um portal mágico para este capítulo da família Green. Enquanto navegamos por este quadro, ficamos com uma ideia bastante clara do que esta família passou, e só esperamos um dia não passar por algo semelhante.
A jogabilidade é bastante acessível, pelo que That Dragon Cancer pode ser desfrutado por um vasto público, incluindo pessoas pouco familiarizadas com os videojogos. Os controlos são uma versão ultra-simples de um point-and-click e muitas vezes apenas temos que clicar no rato para avançar para a sequência seguinte. Ainda assim, existem alguns minutos, como uma breve corrida no hospital num carro de brincar em que temos de apanhar balões. Estes são os piores momentos do jogo, pois parecem despropositados e um pouco fora do contexto.
Apesar desta ser uma experiência recomendável, fica o aviso que That Dragon Cancer não dura mais do que duas horas. Há jogos em que a longevidade realmente não é importante, ou simplesmente torna-se num detalhe quase insignificante face a tudo resto, e este é um desses casos. That Dragon Cancer é único e prova que os videojogos, tal como o cinema, a música e os livros, são um meio válido para transmitir mensagens adultas e marcantes. De futuro, gostávamos que surgissem mais jogos nesta linha.