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The Evil Within - Análise

Terror à moda antiga.

Colocar as mãos em mais uma obra de Shinji Mikami é quase imperativo, mais ainda para seguidores do seu trabalho há mais de três décadas. Os traços de genialidade colocados em muitas das suas produções, Resident Evil, principalmente no seu quarto capítulo desenvolvido na altura para a Game Cube, colocam o produtor num patamar ao qual muitos ambicionam. É desta forma que os mitos são criados e alimentados, mas Mikami não é apenas um mito.

Não se consegue determinar as saudades que a comunidade tem de um genuíno Resident Evil, e nos próximos tempos poderá ser que The Evil Within seja o que mais perto iremos chegar dum trabalho com essa qualidade. É transferida a sensação que estamos em partes retiradas do quarto capítulo da fabulosa série, mas atualizado e melhorado com as capacidades atuais que outrora não estavam disponíveis. Percorrer zonas infestadas de corpos moribundos sedentos de sangue, é um melancólico regresso a um passado ansiado.

Tudo principia com a nossa chegada a um hospital psiquiátrico onde ocorreu um assassinato em massa. Somos Sebastian Castellanos, um detetive psicologicamente instável, acompanhado por seus colegas de profissão. Deparam-se com um cenário macabro, corpos ensanguentados espalhados pela entrada do edifício, e uma presença misteriosa que o transporta para um mundo paralelo recheado de horrores. Esta é uma viagem aterradora não aconselhada aos mais sensíveis. O medo criado é do mais cristalino, com altos e baixos propositados que nos deixam sem saber o que se seguirá, sentimos a alteração da nossa respiração e do batimento cardíaco a cada passo dado. A violência não é ocultada, existe mesmo a necessidade de a mostrar para a concepção de todo o horror que afeta a razão de forma a criar uma percepção da alteração mental do personagem e que esta seja sentida por quem a experiencia.

Este é o enredo de The Evil Within, puro, direto, sem receio de se mostrar e sem piedade para os mais impressionáveis. Após os primeiros eventos somos transportados para um ambiente rural, em parte semelhante ao início de Resident Evil 4. Sebastian não consegue entender o que se está a passar, tenta sobreviver a qualquer custo através do que vai encontrando ao longo do percurso. Possuímos várias opções em armamento, sendo este passível de inúmeras personalizações com diversos melhoramentos que alteram a sua eficácia. Temos ao dispor uma pistola, caçadeira, sniper, besta/crossbow, granadas, medicamentos, e muito mais. Há uma boa variedade de armas que podemos utilizar, até poderosos machados, que estranhamente apenas podem ser utilizados uma única vez.

Os melhoramentos nas habilidades efetuados, tanto às armas como às capacidades físicas do personagem, requerem um líquido verde que pode ser recolhido em determinados corpos ou vasculhando cada recanto. Esse mesmo líquido é posteriormente administrado a Sebastian, quando este se encontra numa cadeira com um dispositivo colocado na cabeça. Tudo muito sinistro e perturbador, onde cada ida se assemelha mais a um pesadelo que à realidade percetível ao jogador. Também fundamental é a recolha de peças que permitem a construção de vários tipos de munição para a nossa besta, desde dardos normais, explosivos, elétricos, incendiários, venenosos, outros que encandeiam os inimigos e até dardos que congelam. Nos níveis de dificuldade mais elevados há que gastar o menor número de munições possível, pois estas são escassas e nunca se sabe quando as iremos necessitar. Uma boa forma de poupar é disparar para as pernas, caem no chão e se formos rápidos temos a oportunidade de os incendiar.

A mecânica da jogabilidade está concebida através dum formato já conhecido, onde este se alimenta de produções passadas de Mikami. Resident Evil 4 está sempre presente, seja na forma como funcionam os NPCs, desde a sua movimentação e o modo como reagem à nossa presença, passando pelo próprio protagonista e as semelhanças nas ações e formas de atuar no meio que o envolve. Mas também existem mecânicas a adquirir, aprender e aperfeiçoar. A nossa progressão é acompanhada por um tutorial que surge a cada nova mecânica, com uma descrição do que é possível fazer com determinada arma e até com objetos específicos.

A nossa movimentação não é tão fluída como seria de esperar, mas até se entende, desta forma cria-se mais impacto no jogador, onde este se sente mais vulnerável e menos capaz. Por vezes, e como é dito no próprio videojogo, a melhor opção é fugir. Estejam descansados que não existe a necessidade de parar para disparar, é tudo feito com movimento, em conformidade com a evolução das exigências atuais de jogabilidade. Existem problemas em alguns ângulos de câmara, em determinados locais, principalmente os mais apertados, não é fácil ter uma noção eficaz da ocupação de espaços, nomeadamente quando necessitamos de observar com exatidão onde se encontram os inimigos.

O jogo está minado por alguns erros, tanto de jogabilidade como em sequências de determinados eventos. Ocasionalmente o personagem fica literalmente bloqueado, sem movimentação possível, onde a solução é reiniciar no checkpoint mais recente. Mais grave é o desaparecimento de determinados NPCs em sequências scriptadas, onde vislumbramos alguém a ser desventrado e o monstro está completamente invisível. Voltamos a recarregar a mesma sequência e o problema desapareceu, estando o dito-cujo no local correto a saborear o seu banquete. Uma atualização é necessária para a correção destes problemas.

O sistema de gravação está interessante, é aqui referido pelo facto de ter sido aproveitado para algo mais. Não será mencionada a forma como se processa e o seu conteúdo, para serem vocês a presenciar de forma virgem a sua elaboração, concebido na tentativa de alterar algo no nosso pensamento e refletirmos sempre se estamos realmente a fazer e viver o que nos é pedido.

Esta viagem tem a duração de mais de 15 horas ao longo de 15 capítulos recheados de sobressaltos. Temos cenários que mudam de configuração, acessos que desaparecem, outros que surgem, e mudanças súbitas de cenário que nos deixam a pensar onde realmente estamos. Não é para todos aguentar tamanha jornada arrepiante, principalmente nos momentos em que encaramos de frente os bosses, são momentos de angústia até que se compreenda a forma de os derrotar.

"Esta viagem tem a duração de mais de 15 horas ao longo de 15 capítulos recheados de sobressaltos."

Obviamente que é entendido que estamos perante uma perspetiva em terceira pessoa, com a redução do campo de visão efetuada por barras negras em cima e em baixo do ecrã, facto algo incómodo mas que serve para criar uma experiência mais cinematográfica. Outra explicação poderá ser entendida como uma forma de melhorar substancialmente a fluidez, que é um dos seus maiores problemas. O motor de jogo id Tech 5 tem as suas complexidades, já conhecidas em trabalhos como Rage e Wolfenstein: The New Order. A versão aqui testada é a do PC, e é penalizante não se conseguir atingir os 60fps com a resolução 1440p sem uma máquina extremamente poderosa. De referir que está originalmente bloqueado aos 30fps como na versão para as consolas, mas no PC é fácil contornar esse pormenor através de comandos inseridos na consola do jogo.

São conhecidas as limitações tecnológicas das consolas da atual geração, PS4 e Xbox One, que certamente influenciaram muitos dos aspetos técnicos da versão PC. Temos algumas texturas com baixa resolução e pouco detalhe, limitações em opções gráficas que reduzem muito a possibilidade de alterar parâmetros gráficos de forma a melhorar a fluidez.

Colocando de parte os problemas relacionados com a performance, há que atribuir valor ao que é concebido a nível visual. A atmosfera é perfeita para o fim idealizado, com a composição tenebrosa do universo perturbado da mente humana. Os cenários rurais são ironicamente tão belos como assustadores, e para completar este cenário nada melhor que um som ambiente a condizer. Vento a soprar, corvos a corvejar, gemidos ocultos, moscas nos corpos em decomposição. Só falta mesmo o cheiro para o cenário ser completo, mas isso compete-nos a nós imaginar.

The Evil Within é uma aposta firme e com pormenores que lhe atribuem a sucessão dos nostálgicos momentos vividos com os primeiros títulos da série Resident Evil. Não fossem os graves problemas técnicos relacionados com a péssima performance conseguida com o id Tech 5, erros ocasionais com a jogabilidade e determinadas cenas scriptadas, tínhamos um resultado final bem mais aperfeiçoado. Mesmo assim há muita qualidade no que nos é apresentado. Recomenda-se sem hesitação a todos os corajosos jogadores desejosos por longas horas de emoções fortes.

8 / 10

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