The Last of Us da HBO Episódio 3 é uma lição de adaptação
Bill como nunca visto.
A série The Last of Us da HBO continua a surpreender. Fomos avisados que o terceiro episódio seria algo fenomenal, mas ninguém poderia imaginar esta execução e entrega. Inserido no contexto geral da série e das suas temáticas basilares, funciona no contexto geral e até podia ser apresentado em separado. Funcionaria na mesma tal é a sua execução.
Este terceiro episódio foca-se em Bill, uma personagem que encontras ao longo da tua jornada com Ellie e Joel no jogo The Last of Us da Naughty Dog. É uma pessoa amargurada e hostil com estranhos. Se estiveres com atenção às falas de Joel, descobrirás pequenos pedaços da sua personalidade que vão além da imagem que o próprio passa quando está em cena.
Perto do momento em que deixas a sua cidade, descobrirás uma dura verdade sobre a sua vida através de um apontamento. É uma forma muito ao estilo dos videojogos de aprofundar uma personagem secundária sem perder tempo. No entanto, isso não resultava para Craig Mazin e Neil Druckmann, que decidiram ir muito mais além na adaptação para série.
Poderás até ficar surpreendido ao ver que a série dedica um episódio inteiro a Bill e Frank, o seu companheiro, com importantes mudanças na vida do casal, que de forma conscienciosa não interferem com a jornada de Ellie e Joel.
Spoilers para o The Last of Us da HBO Episódio 3.
Este episódio 3 poderá surpreender por ser tão diferente do material original, mas é um grande exemplo da metodologia usada pela equipa criativa. The Last of Us enquanto jogo já é uma experiência altamente cinematográfica com uma força narrativa incrível e personagens repletos de camadas para explorar. Parecia mais do que pronto para uma adaptação, mas a série está a mostrar como este formato permite olhar de forma diferente para as personagens e eventos.
Este episódio é o melhor exemplo disso pois tens um aprofundar de uma das personagens mais intrigantes do jogo, que ganha uma nova dimensão. Através dos atores Murray Bartlett como Frank e Nick Offerman como Bill, vais assistir a uma história com 20 anos. Ao contrário do que acontece no jogo, aqui o desfecho é trágico, mas romântico e gracioso, mesmo que o percurso esteja repleto da mesma desconfiança e secura que marcam o Bill do jogo.
Mais uma vez, a equipa criativa não se foca nos "monstros", nos infetados, tens apenas uma cena que dura cerca de um minuto com um infetado no ecrã. Os humanos são o foco, mais especificamente como as suas ações num momento de tamanho desespero revelam a sua verdadeira natureza. Após uma cena inicial com Joel e Ellie, tens um olhar ao que aconteceu nos primeiros dias do surto, da perspetiva de Bill, que fica louco de alegria quando a sua pacata localidade é totalmente evacuada e dá por si sozinho.
Decide abastecer-se à vontade, criar uma série de armadilhas à volta da sua casa e, enquanto maluco das conspirações, que suspeita de tudo e de todos, vive num autêntico paraíso isolado do mundo. O episódio mostra como Bill vivia os seus dias a desfrutar dos momentos em que os infetados morriam nas suas armadilhas e, como no geral, detesta pessoas e prefere estar sozinho.
Tudo muda quando surge Frank, que cai numa armadilha de Bill, e acaba por surpreender este amargurado e desconfiado homem com a sua curiosidade. Frank é o oposto de Bill. É curioso e otimista, revela esperança no meio de todo o perigo e acredita que é possível desejar uma vida melhor enquanto a humanidade enfrenta o fim do mundo. São dois opostos que acabam por se atrair e nasce uma bela história de amor, explorada de forma graciosa ao longo de 20 anos.
É um conto romântico que pode ser visto em separado da restante série, mas com muito a acrescentar tanto para quem conhece o jogo, como também para quem não conhece. É isto o que mais me surpreendeu. Aprofundar o mundo através de outras personagens não é fácil para uma série, especialmente quando nem sequer usam os protagonistas na maioria do episódio, mas jamais se afastar da essência basilar que está a definir The Last of Us da HBO.
O uso da música, cenário, luz, posicionamento da câmara (aquela cena final merece aplausos de pé pela sua simplicidade), permitem que uma história amarga do jogo se torne num trágico, mas adorável, conto romântico sobre como é possível amar e confiar no fim do mundo.
No jogo, Bill é uma espécie de acessório para uma secção gameplay numa experiência de ambições narrativas glorificadas. Muitos até o podem ver como um cliché de velho amargurado no fim do mundo. A secção depois de Bill começa com grande impacto e é um dos momentos mais marcantes do jogo original, o que acabou por ofuscar a personagem, restando apenas a memória do velho desconfiado que criou tantas armadilhas à sua volta. Na série, assume contornos especiais e o carinho demonstrado pela equipa criativa poderá fazer dele um dos momentos mais inesquecíveis de The Last of Us da HBO.