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The Last Story - Análise

Assinado pelo mestre Sakaguchi.

JRPG. Com quatro letras apenas se concretiza há mais de duas décadas um género capaz de tanto atemorizar como exercer um fascínio inexorável sobre os seus seguidores. Quando os europeus começaram a descobrir o significado de expressões como "level up", combate por turnos, barra de energia, equipamento de armas, armaduras, poções e magias e a lidar com personagens densas e estórias complexas onde bem e mal se entre-cruzam, já os japoneses sabiam o que era "secar" em longas filas de espera para comprar o mais recente Dragon Quest para a Super Famicom.

Um misto de receio e alegria aguardava por quem se deixasse levar por estes estranhos e complexos jogos provindos do Japão. Tabelas sucessivas de números ocupavam o ecrã e a ação tornava-se mais tática que frenética, como era então comum devido à forte presença dos jogos de ação. Mas assim que o jogador dominava as regras elementares de um jrpg, como que em poucas horas hasteava velas e navegava em mar alto, conquistando território e descobrindo novas personagens na direção de um final possível e antecipado, mas cuja demanda haveria de deixar um particular significado. Aliás, a envolvência emocional e a componente estratégica foram os pontos sempre mais sublinhados de um género cuja fundação se encontra no Japão.

Hironobu Sakaguchi é por muitos considerado como a lenda. Se fizermos uma inquirição individual perguntando a nós mesmos e a outras pessoas que tenham convivido com este tipo de jogos, que jogo de role play nipónico nos vem em primeiro lugar à cabeça, haverá uma grande probabilidade de entroncarmos numa série por que Sakaguchi tenha sido o responsável. No fundo a sua história enquanto produtor confunde-se com o crescimento do género. Outros produtores deram o contributo para a explosão internacional dos jRPG e ainda hoje muitos dos que entraram para a indústria com Sakaguchi, como Tetsyua Takahashi ou Kitase, continuam a laborar, mais ou menos eficazmente, no sentido de dinamizar um género que terá perdido parte da importância que tinha há uns anos.

Mas Sakaguchi será de todos os produtores o "roleplaying man" que gosta de fazer surf no Havai, onde se refugia do mundo e bebe inspiração para as suas produções. Ele é um dos principais responsáveis pelas bases com que se desenvolveram os jRPG (como Miyamoto foi fulcral no crescimento dos jogos de plataformas). Contudo, no ensejo de captar a emoção dos jogadores e mais tarde da plateia no cinema, viria a receber as grandes e únicas amarguras da sua vida enquanto produtor. Com Spirits Within, Sakaguchi e Square deram um passo mais largo do que a perna e rapidamente perceberam que jogos e cinema são como Portugal e Espanha, não casam. Mas há algo único que sobressai nos trabalhos de Sakaguchi. Uma característica que nunca passará despercebida aos jogadores que nutrem simpatia por este género. Esse dom que Sakaguchi faz questão de alimentar é a arte de contar histórias. Os jRPG vivem de uma narrativa. Sem ela simplesmente não vingam, da mesma forma que não se pode falar numa biblioteca sem livros.

É por isso que The Last Story não será a última narrativa de Hironobu Sakaguchi. Ele continuará a proporcionar novos quadros ficcionais e isto é talvez a melhor notícia que os fãs do género podem saber. Livre de um projeto ou trabalhos que se reproduzem por sequelas intermináveis, independentemente da qualidade, The Last Story é um produto fresco e absolutamente original. Um exercício acabado de fazer, talvez o trabalho mais pessoal de Sakaguchi, em anos. Vemos em The Last Story uma nova narrativa, personagens inéditas e um quadro de combate renovado, pautado pela acção em tempo real. Mas para lá disso conserva os genes de uma boa narrativa como só os japoneses parecem conseguir, as fundações de uma cultura marcadamente nipónica. Só por isso e pela intenção de medir uma grande distância para outras ofertas mais tradicionais, The Last Story merece toda a vossa atenção. Quando se juntam vozes que clamam originalidade e novas vias de comunicação de um género que adormeceu nalguns filões, eis aqui um ponto de partida e mais uma excepção que não se conforma com a regra.

Criador de Final Fantasy fala sobre The Last Story

Não será porventura o trabalho mais grandioso, épico e refinado que se esperaria de Sakaguchi para o momento derradeiro da Nintendo Wii. Xenoblade, o seu mais directo concorrente, ainda perdura nas memórias recentes. Um épico que tanto conhece de tradicional como de revolucionário, o que limita significativamente o espaço a The Last Story. Porém, com a firme certeza de que estão encontrados os dois melhores jrpg da geração.

Duas histórias tão envolventes e emocionais, cada uma à sua maneira. Quando pegamos em The Last Story é impossível não sentirmos um traço de nostalgia e originalidade. São abundantes os elementos que ligam o jogo aos trabalhos passados de Sakaguchi, mas há tanto de novo para descobrir em termos narrativos e de combate que após a primeira explosão de acontecimentos já nos sentimos concentrados no jogo e expectantes sobre o desfecho das personagens, que só conseguimos deixar de jogar depois dos créditos finais.

Uma aventura que mudará a vida das personagens para sempre

Como o próprio título do jogo sugere, os jogadores são encaminhados para uma última história. O peso em termos narrativos é fulcral e mais uma vez Sakaguchi não foge ao desejo de chegar ao coração dos jogadores, servindo-se de um grupo de personagens que encerram em si motivações distintas dentro de um quadro comum. À medida que avançamos no jogo descobrimos melhor e mais sobre cada uma. Que afinal, a tristeza e isolamento que se acomoda em Yurick é o resultado de um passado que lhe roubou os pais e que por isso lhe deixou uma errada interpretação dos acontecimentos. A demanda que está à sua frente significará uma oportunidade para mudar o seu comportamento. De forma imprevista acabará por entre-cruzar o seu caminho com a ferida do passado e ao pegar na folha de papel e conhecer as últimas palavras que o seu pai conservou junto de si até ao derradeiro momento de vida, o seu lado mais íntimo entra em transformação e logo vemos um sorriso no seu rosto.

Do mesmo modo Calista, ou Lisa como a conhecemos no princípio, a esbelta heroína de longos cabelos platinados, conhece em toda a sua juventude nada mais do que o castelo de Lazulis. Herdeira dos governantes da Casa de Arganan, perdeu os pais ainda em criança, mas viveu sempre protegida pelo tio, Conde de Arganan. Como sua sucessora acaba por ser prisioneira de um destino anunciado após o anúncio do matrimónio (forçado) com um representante de outra Casa do império. Até ao dia em que conhece, por mero acaso, Zael, a personagem central da obra. Ele revela a Calista que há um mundo para descobrir e que ambos podem mudar a sua vida. Zael vive também cansado das lutas diárias para garantir o seu sustento. É um mercenário que luta contra monstros e atua em linhas onde se estende o perigo, mas almeja chegar depressa a cavaleiro do imperador e desfazer-se do tradicional campo de batalha. Por outro lado, Calista quer conhecer o mundo e explorar novos locais. Ambos acabam por encontrar essa oportunidade de mudarem para sempre as suas vidas. Até ao fim a narrativa são frequentes os impedimentos e bloqueios a essa pretensão comum, já depois de ambos terem trocado confidências debaixo de um céu estelar. Voltarão a vê-las, juntos, como naquele dia?