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The Legend of Zelda: Tri Force Heroes - Análise

Os três linketeiros.

Eurogamer.pt - Recomendado crachá
Uma pilha de desafios arrojados numa estrutura cooperativa que assenta com destaque no universo Zelda. Só peca na vertente a solo.

Assim numa penada, como quem diz quatro anos e meio, foram lançados quatro jogos da série The Legend of Zelda na Nintendo 3DS. Dois deles são brilhantes remasterizações dos clássicos intemporais da Nintendo 64: Ocarina of Time e Majora's Mask. Para as novas gerações, nascidas depois do milénio, são como novidade. Ambos são tão bons e abriram tanto pelos mundos abertos em 3D que o encanto ainda persiste na portátil. Pelo meio, a reinvenção do clássico A Link to the Past, por intermédio de A Link Between Worlds, outra produção de Eiji Aonuma que encantou pela magia do universo, um design irresistível e uma jogabilidade desafiante, recheada de puzzles e novas mecânicas. Não é por acaso que depois deste percurso haja uma divisão de opiniões quanto ao melhor Zelda do conjunto.

Quase ao ritmo de um Zelda por ano, esta E3 ficámos a conhecer Tri Force Heroes. Um jogo muito similar a A Link Between Worlds, mas claramente um "spin off " da série, prescindido da habitual narrativa e posicionamento na história da série, para apostar tudo na componente cooperativa entre três jogadores, que dá nome ao título do jogo. Coube à Grezzo, produtora japonesa subsidiária da Nintendo, a mesma que cuidou das remasterizações para a 3DS dos jogos da N64, desenvolver este episódio que só não é inédito porque bebe muita inspiração e influência do clássico da GameCube: Four Swords, embora sem a vertente competitiva (com excepção para os combates no coliseu de Tri Force Heroes). Mas desta vez há uma vantagem, que é a ligação online, capaz de pôr todos os heróis espalhados pelo mundo em contacto, partilhando as aventuras e os desafios, buscando em conjunto, a inspiração e a solução para os constantes puzzles.

Secção completa.

A estrutura cooperativa faz parte da natureza do jogo e é isso que devem ter em conta quando decidirem investir em Tri Force Heroes. É que apesar de ser possível jogá-lo individualmente, torna-se quase impossível completar todas as áreas do jogo, sendo sobretudo uma tarefa penosa e angustiante. Jogando com mais jogadores, através de rede local ou por via online, a experiência adquire total plenitude, verificando-se um maior equilíbrio entre a dificuldade dos puzzles e a habilidade de cada um para resolver os problemas, assim como um factor aliciante de sorte, pois não conhecemos necessariamente quem joga do outro lado.

Tri Force Heroes é por isso um jogo diferente da linha central da série. Quem esteja habituado aos jogos ligados à estrutura mais tradicional é quase um choque ver diferentes nomes para as localizações de um mundo conhecido por Hytopia. Não no mau sentido, antes pelo contrário (o ambiente é facilmente reconhecível e entranhável), mas pela direcção posta em prática sem parcimónia e sem o tradicional baptismo de fogo do herói a que estamos habituados. Os três heróis convocados para a missão ordenada pelo rei não correspondem necessariamente ao herói de Hyrule, embora possuam inevitáveis semelhanças.

"A estrutura cooperativa faz parte da natureza do jogo e é isso que devem ter em conta quando decidirem investir em Tri Force Heroes."

Em Hytopia existe uma princesa chamada Styla, filha do monarca Tuft, que é adorada pelo povo. Certo dia, uma bruxa, conhecida por The Lady, de Drablands (um território distante), que não encarreirava muito com a princesa, enviou-lhe um presente bem embrulhado. Quando esta o abriu, para sua surpresa verificou tratar-se de uma maldição, que a equipou com um fato de mergulhador que não mais podia remover. Perante tão grande infelicidade a princesa isolou-se nos seus aposentos. O povo deixou de a ver, o rei ficou algo aturdido e o medo desabou sobre o reino. Num reino onde a moda e as roupas eram vistas e recebidas quase em jeito de celebração, de um momento para o outro o receio de novas maldições despoletou uma onda de dúvida sobre a viabilidade das roupas. Disposto a dar a volta à situação, o rei Tuft ordenou que fossem convocados heróis, dos quais só três poderiam entrar em Drablands.

A aventura a solo só como última hipótese.

O processo de seriação envolve alguns critérios, como orelhas pontiagudas, suíças e cabelo comprido puxado para um dos lados. O arco narrativo desenvolve-se com boas notas cómicas, principalmente neste contexto, quando encontramos um pretenso candidato a herói, que perante os guardas do castelo admite preencher as condições solicitadas pelo rei, embora não o deixem prosseguir (seria o quarto herói de Four Swords). Mas o ponto em comum dos três chamados à titularidade é a capacidade para realizar uma manobra chamada "Totem" (ou faz uma pilha), que às cavalitas lhes permite atingir plataformas elevadas e disparar setas ou atirar bombas mais alto. Um claro e novo significado para a componente cooperativa na série.

A importância da moda, mais concretamente das túnicas (a indumentária do herói), tem aplicação numa casa onde a Madame Couture, a troco dos tecidos e objectos correctos fabrica uma série de peças cruciais para os heróis. Nessa casa existem muitos gatos e até um espelho que permite ao herói contemplar o trabalho de corte e costura antes de sair à rua. Nada que envolva a nossa produção. A criação destes fatos é automática e só temos que entregar os tecidos. Muitos deles são obtidos a partir das caixas do tesouro, disponíveis depois de finalizado um nível, mas também podemos encontrar objectos essenciais em zonas secretas nos níveis ou nos baús do tesouro.

O design e apresentação do jogo é muito similar a A Link Between World. Por instantes parece tratar-se de uma sequela. Mas há uma diferença importante, é que as áreas não estão ligadas entre si. Não existe uma coesão e interligação entre os mundos, o que de certa maneira retira aquele factor muito ressonante da série Zelda que é a exploração, focando-se apenas nos puzzles e na sua resolução. Ainda que exista uma área central ou "lobbie" em Hytopia, não tem comparação com a dimensão de Hyrule e serve apenas para obter novos fatos, gerir algumas opções (mercado, entre outros), conteúdos adicionais e servir de ponto de partida. Na verdade, os níveis funcionam de forma autónoma, como "trials".

Herói bomba.

Não poderia ser de outra forma, quando o conceito está arvorado em torno da cooperação entre três jogadores. Aliás, é interessante descobrir a extensão dos puzzles visando esse aproveitamento, com níveis realmente bem construídos e divididos por secções. Para ultrapassar os obstáculos e vencer as dificuldades, os três jogadores terão de cooperar de alguma forma, por vezes algo óbvia, enquanto que noutras situações terão que explorar as possibilidades e perder mais algum tempo a estudar a área. No final de cada secção os jogadores reagrupam-se sobre a Triforce e passam à secção seguinte. Estando completa a área terão que defrontar um boss, pondo à prova muitos dos ensinamentos que receberam durante o nível.

Os jogadores mais reservados e habituados à progressão habitual na série Zelda poderão sempre arriscar a campanha individual, desbravando Hytopia e Drablands a solo, embora na companhia de dois "doppels", ou seja, heróis sem vida que só ganham corpo quando assumimos o controlo de um deles. É aqui que tudo pode ser mais aborrecido e angustiante. Apesar de controlarem apenas um herói, os outros ficam estáticos e não executam qualquer movimento, como também não recebem dano. Só que temos sempre que pensar por três e o que seria uma tarefa de simples cooperação implica uma multiplicação de movimentos e métodos pouco exequíveis.

Torna-se mais demorado completar os níveis. Realizar "totem" e lançar para o topo de uma plataforma um herói de uma cor específica pode ser mais embaraçoso, especialmente quando há inimigos por perto. Já para não falar nas "boss fights" que implicam sempre movimentos rápidos e execuções cirúrgicas, quase sempre articuladas. É possível completar todos os níveis individualmente, mas em condições normais ninguém terá muita paciência para jogar mais do que meia dúzia. A partir daí o jogo perde o factor divertimento e passa a um completo aborrecimento.

Existem oito arenas no modo coliseu, poderão escolher indumentária a preceito e o objectivo passa por tirar corações aos adversários. Modo competição. Pode ser jogado via online ou rede local.

Pena que não seja possível jogar e completar o jogo apenas com um herói, sem necessidade de alternar entre os demais. Seria seguramente mais um estímulo, mas os níveis estão de tal forma pensados para serem jogados com várias personagens que teria de existir um conteúdo paralelo apenas para um jogador. Isso a Grezzo optou por deixar de fora. De forma alternativa, poderão jogar com mais dois amigos a nível local (desde que possuam os respectivos jogos, embora possam jogar via "download" e até gravar a posição no jogo para futuras sessões) ou em rede através de convite com os vossos amigos ou com jogadores da vossa região.

"Para ultrapassar os obstáculos e vencer as dificuldades, os três jogadores terão de cooperar de alguma forma, por vezes algo óbvia, enquanto que noutras situações terão que explorar as possibilidades e perder mais algum tempo a estudar a área"

No modo multiplayer, online ou local, os três heróis partilham o mesmo indicador de saúde, o que significa que se um deles perder um coração, haverá uma subtracção de uma unidade do mesmo nos restantes. Isto é, ganham em conjunto, perdem em conjunto. Inicialmente pede-se aos jogadores que executem tarefas simples, grande parte delas muito óbvias e que só alguém muito desatento não dará conta. Acertar em certos dispositivos para abrir uma porta usando o arco e as flechas, realizar um "totem" para que o último herói possa acertar num alvo elevado. Tudo desse género. O cenário muda de figura quando os heróis ficam afectos a diferentes funções. Por hipótese, um deles adquire a varinha que faz subir um jacto de água que permite ao herói chegar ao topo e assim andar sobre a água até lograr uma plataforma, enquanto que os outros dois, possuindo o gancho, atam-no a mecanismos giratórios que abrem, por exemplo, as torneias, deixando entrar água num imenso reservatório e dessa forma operar uma transformação na área.

Os "puzzles" vão ficando cada vez mais intricados e complexos. As soluções passam a ser menos óbvias e com os perigos cada vez mais à solta, como bolas de fogo e inimigos que lançam pedras (os polvos), ficámos um pouco mais expostos, podendo culminar na morte de um dos elementos da equipa podendo causar o fim do jogo (o recomeço acontece na última secção visitada). É crucial desenvolver um método seguro de comunicação. A pensar na cooperação online, e estando ausente a comunicação por voz, os jogadores recorrem a uma série de gravuras disponíveis no ecrã táctil, numa forma algo similar à que existe na série Souls ou Bloodborne.

O mercado em Hytopia é sempre uma boa alternativa para arranjar certo item para fazer um novo fato. Mas os preços...

Estas gravuras são muito expressivas e contemplam imagens de fácil identificação. Vão desde a realização do "totem", expressão negativa, polegar para cima como forma de manifestar bom trabalho ou método a seguir, até ao chamamento, utilização de item ou lançamento. Ao todo existem oito formas de comunicação. Está longe de ser a melhor forma de comunicação, especialmente quando os jogadores chegam a uma situação mais complicada, mas não deixa de garantir um mínimo adequado e satisfatório de comunicação. Não é o melhor método e temos sempre a incerteza sobre os colegas que nos calham na rifa.

Ao todo existem 32 níveis. Cada um apresenta quatro secções e todos os territórios são constituídos por quatro níveis. Depois de formada a equipa no "lobbie", tendo passado pela selecção do território, todos acedem ao menu de selecção do nível. Se existir unanimidade quanto ao nível a percorrer, a selecção é imediata, caso contrário será seleccionado aleatoriamente entre os escolhidos pelos jogadores. Poderá dar-se a situação de terem jogado algum nível seleccionado, sendo para os outros uma novidade. Haverá um jogador em vantagem, abrindo caminho aos restantes, mas nem sempre apontar para a solução significa que haja do outro lado uma percepção disso mesmo. No pior dos cenários a situação pode revestir contornos hilariantes, com um herói a apontar para um ponto e os outros algo perdidos, sem saberem bem o que fazer.

"Visualmente, Tri Force Heroes está em sintonia com A Link Between Worlds"

Os movimentos básicos não receberam alterações, pelo que avançar rapidamente usando a espada é a via mais rápida para chegar à meta são e salvo. Mas aqui há um ponto transformador relevante, revestido de influência sobre o tipo de níveis e puzzles com que somos brindados. Isso deve-se aos fatos que poderemos vestir, com incidência sobre a utilização de certos itens. Certa indumentária oferece-nos a possibilidade de usar bombas ou então caminhar sobre areias movediças. Muitas vezes só reparámos na necessidade de usar um certo fato para passar o nível quando estamos a jogá-lo, embora nem sempre sejam obrigatórios. Claro que para obter estes fatos terão de possuir certos objectos e estes só são concedidos no final dos níveis.

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Os diferentes territórios ou mundos revelam-se bem diferenciados e construídos com base em puzzles diferentes. A dificuldade é gradual. Os primeiros bosses são facílimos, mas a partir do segundo mundo é sempre a subir, embora com picos de dificuldade bastante aceitáveis. Podem sempre adicionar os "bonus challenge", isto é, repetir as mesmas áreas mas com novos desafios, fazendo neste caso mais sentido a utilização dos fatos, atendendo às particularidades de alguns inimigos. A dificuldade também é maior, pelo que a sua inclusão aquando a entrada no "lobbie" deve ter em conta a experiência.

Visualmente, Tri Force Heroes está em sintonia com A Link Between Worlds, apresentando visuais bastante pormenorizados e sobretudo uma boa fluidez, mesmo nas batalhas mais quentes, as "boss fights". É quase maravilhoso ver naquele pequeno ecrã os heróis envolvidos em rotinas de coordenação, visando o objectivo máximo. As animações são de qualidade e os efeitos especiais destacam-se. A banda sonora retoma a qualidade das gravações anteriores, com versões orquestradas que soam bem aos ouvidos e se adaptam às diversas circunstâncias.

É inevitável. O quarto jogo da série Zelda a chegar à 3DS podia ser uma sequela de A Link Between Worlds, mas quis a Nintendo e a Grezzo que este fosse uma aventura partilhada, de cariz cooperativo, pondo assim Tri Force Heroes num plano diferente dos demais. Pouco recomendável como experiência a "solo" revela-se bestial na componente multiplayer, tanto online como local, especialmente esta, para a qual é suficiente apenas um cartucho. É verdade que faltam elementos cruciais e o peso narrativo e a tradicional exploração de masmorras deram lugar a uma série de níveis que não voltando as costas à matriz da série se perfilam com maior linearidade. Mas a sua construção está de tal modo bem conseguida, passando facilmente da simplicidade à complexidade dos puzzles, que é impossível não vermos nesta engenharia uma produção diferente e simultaneamente rica, desafiante e recompensadora.

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