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The Witness - Análise

A ilha.

Eurogamer.pt - Recomendado crachá
Ambição despudorada do mesmo criador de Braid. Um desafio que no essencial é a descodificação de uma linguagem.

Misteriosos são os caminhos em The Witness, o novo jogo de Jonathan Blow. Este produtor americano independente, que volta à tona com mais um jogo surpreendente em termos de design, arte e puzzles, não andou muito longe desta linha em Braid (2008, Xbox Live Arcade), a primeira grande obra que o projectou em termos mundiais. Mas enquanto que este jogo se apresenta de forma mais linear, alicerçada em elementos familiares como as plataformas e o salto da personagem em 2D, dentro de níveis, tendo na manipulação do tempo a chave para a resolução dos puzzles, em The Witness o conceito é muito diferente.

Desde logo porque prescinde de um fio condutor. Não existem fases (níveis), nem guias e a sensação de progresso é menos evidente. Quase sempre achamos coisas novas (puzzles) para resolver. As ligações que vamos operando entre cada segmento desvendam os mistérios e segredos deste imensurável arquipélago (ou se até quisermos pensar em números, eles existem: mais de 650 puzzles). O ponto mais saliente é que o jogador está por sua conta e rapidamente perceberá que os puzzles partilham o mesmo formato, embora com diferentes variantes para se atingir o objectivo: ligar uma espécie de fios condutores através de um monitor que é activado mediante a pressão do ponto assinalado no ecrã. Não existe mais algum tipo de interacção, ou sequer outras personagens que nos forneçam pistas. Estamos por nossa conta, na ilha. As únicas dicas e ajudas são facultadas por intermédio dos sons ou dos desenhos projectados no terreno.

"o jogador está por sua conta e rapidamente perceberá que os puzzles partilham o mesmo formato, embora com diferentes variantes para se atingir o objectivo"

Operando a ligação entre as diversas partes da ilha.

Poder-se-ia reduzir The Witness a um conceito mais simples, como o jogo no qual ligamos uma espécie de circuitos num monitor, cumprindo diferentes condições. Mas isso corresponderia a ignorar toda a estratégia de design e dimensão artística que Jonathan Blow e Thekla Inc. desenvolveram especialmente, elevando a qualidade do jogo um par de níveis acima do que estamos acostumados encontrar em produções algo conexas. São de resto indiscutíveis e indisfarçáveis algumas influências no design, como Myst (1993) ou The Talos Principle (2014 Croteam), enquanto que do ponto de vista artístico, The Witness não gravita distante de um Rime. Numa época marcada por um assinalável incremento da complexidade de sistemas e subsistemas num videojogo, que requerem dias e algumas horas a fio até se dominar um conceito, são títulos como The Witness que nos seduzem pela curiosidade, mistério e simplicidade. Muitos dos melhores jogos de sempre são os mais simples (Tetris, Pac-Man), alguns dos que melhor acomodaram mecânicas complexas em processos interactivos menos exigentes, aguçando o nosso intelecto e a disposição para sair de situações delicadas.

Jonathan Blow não escondeu essa preocupação, em quase castigar os aventureiros na ilha. Sem escorrer para a via mais cómoda, o produtor americano optou por deixar o jogador palpar o terreno. Nalguns momentos pode tornar-se numa experiência capaz de roçar o frustrante. Outras ocasiões basta pousarmos o comando, dar uma volta. Ao regressarmos conseguimos resolver o puzzle. Apesar de uma certa desordem e liberdade agudas, nem tudo está desconexo.

O único momento hermético no jogo, corresponde à introdução, quando nivelamos a perspectiva na primeira pessoa e percorremos o que falta do corredor até abrirmos a porta. É a sequência mais linear e estreita numa aventura que se prolonga por horas, podendo ser terminada e concluída com menos de metade dos 700 puzzles anunciados. No chão vemos a nossa projecção, recortada por uma luz solar que empresta brilho e contraste ao arquipélago.

Ao resolver um puzzle o jogador liga o cabos a outra secção, onde encontra mais desafios.

O primeiro impacto é a sensação típica de um jogo percorrido num mundo aberto. Não temos grandes constrangimentos, embora inicialmente algumas passagens se encontrem vedadas. Começamos por isso a resolver os primeiros puzzles, ou as primeiras sequências (muitos deles apresentam-se em grupo e por ordem de dificuldade). Estes consistem em levar um ou mais pontos por um caminho (entre vários), até à meta, normalmente assinalada mal tocamos no ponto de partida. As condições para atingir a meta é que vão sendo alteradas. Umas vezes temos que separar pontos pretos dos brancos e outras vezes temos que passar pelos pontos, sem tocar no fio condutor - o jogo fornece-nos uma linguagem visual, dá-nos conceitos. Muitas destas condições são facilmente identificadas e a dificuldade resulta da conjugação entre os dados já adquiridos e as novas variantes. Talvez seja esse o lado mais surpreendente, como somos educados e nos preparamos para os testes mais complexos, quando as ligações galgam os pequenos espaços.

Nisto está bem patente o esforço de Johnathan Blow e da restante equipa Thekla, Inc em conceber ideias específicas. É certo que alguns puzzles repetem o mesmo conceito. Só muda o grau de dificuldade. Mas outras vezes requerem algo mais e isso revela bem a habilidade do autor em nos surpreender e arremessar para longe, deixando-nos intrigados. Não há música, não existem diálogos e, no entanto, a ilha fervilha em sonoridades (o som dos nossos passos que, numa secção interior, produz eco), não menos relevantes que o aspecto gráfico, ainda que em menor proporção. O 3D, apesar de minimalista, apresenta até um aspecto quase cel "shade", como que saído de um motor gráfico universitário ou experimental, mas simultaneamente muito consistente, realista, exibindo cores contrastantes, salientando-se tanto do ponto de vista arquitectónico, como artístico. A conjugação entre elementos naturais, especialmente as secções rochosas, riachos, montanhas e construções humanas, como casas, estruturas metálicas, o que parece ser o interior de uma unidade fabril abandonada, conferem ainda mais mistério e uma firmeza capaz de nos levar a percorrer todos os pontos. Não é por acaso que se consegue o avanço até ao topo de uma montanha: a observação é vital e dela depende a resolução de muitos puzzles.

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"The Witness pode tornar-se exasperante"

The Witness pode tornar-se exasperante. É um facto. Sem recurso a guias, auxílio de pessoas que tenham jogado ou vídeos no You Tube, demora até ser completado e, não raras vezes, acabamos "bloqueados", especialmente quando entramos nos puzzles entre áreas e ao andarmos de um lado para o outro acabamos por perder o fio à meada. Sem qualquer apoio teremos que descobrir isso por nós mesmos e, muitas vezes, pode transformar-se num desincentivo. Por outro lado a ilha é grande, o que aumenta o esforço e certos avanços só são atingidos depois de garantida a conexão e activação entre pontos distantes, caso contrário, não avançam.

Jogar a The Witness é aceitar um desafio aparentemente simples, mas que rapidamente galga as fronteiras do design e da arte para nos deixar a pensar na melhor solução para a resolução do próximo problema. Como um puzzle maior, que resolvemos da base até ao topo, revela as conexões depois de desvendado, mas esse campo de visão pleno não se faz sem persistência e sem esforço. Talvez não seja um jogo para todos mas os que nele se aventurarem correm o risco de descobrir uma gratificação algo invulgar, como quem descodifica uma linguagem específica, nada fácil de produzir, reveladora do mérito desta exponencial produção: proporcionar um desafio complexo, com base ferramentas simples e acessíveis (até os mais pequenos podem tentar resolver os puzzles), integradas numa ilha expressiva em termos arquitectónicos mas da qual podemos não voltar.

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