The Wolf Among Us: Episódio 1 Faith - Análise
Cresce em nós.
Expulsos dos seus mundos por alguém a quem chamam de "O Adversário", as principais figuras e protagonistas dos populares contos de fadas ou folclóricos foram forçadas a viver em Nova Iorque, numa comunidade chamada de Fabletown. Referindo-se a si mesmas como Fables estas personagens são agora forçadas a conhecer uma nova e dura realidade que as pode modificar severamente. O "nosso" mundo é algo estranho para eles e as personagens que tão bem conhecemos das histórias de criança podem não ter a mesma sorte nesta nova realidade. Foi esta engenhosa ideia que passou pela cabeça de Bill Willingham e que o levou a criar o comic Fables, que retrata precisamente isso, os acontecimentos desta comunidade clandestina que veio dos seus respetivos mundos de encantar para Nova Iorque e as suas novas e duras realidades.
Fables parece ter uma resposta para tudo e um duro desajuste nesta nova realidade para a maioria dos personagens. Nada aqui é de encantar, pelo contrário. Alguns personagens, como os porquinhos da famosa história, não podem andar em público pois não podem ser vistos e esta comunidade precisa continuar em segredo por isso têm que viver numa "Quinta" que em nada lhes parece agradar. Isto é um pequeno exemplo de como Willingham reinterpretou as histórias e como esta nova vida molda os personagens e as consequentes histórias que deles nascem.
Esta obra é descrita como fantasia contemporânea, fantasia negra, e até fantasia urbana e a verdade é que seja o que for consegue mesmo ser uma verdadeira fantasia. Se algumas das companhias mais famosas do mundo já tentaram em filmes ou séries modificar a sua visão dos contos tradicionais, nenhuma o fez com a dose de credibilidade e dureza que Willingham o fez pois aqui temos uma realidade crua, dura, brusca e acima de tudo o verdadeiro oposto do que lemos enquanto crianças. Que o diga a Branca de Neve, aqui chamada de Neve pelos amigos, que se divorciou do Príncipe Encantado que não lhe conseguiu ser fiel, ou até do Lobo Mau que comeu o Capuchinho Vermelho e que agora é o Xerife de Fabletown.
Existem muitos personagens com novas e até incríveis vidas nesta comunidade e é precisamente o Lobo Mau, que se chama aqui de Bigby, que assume o papel principal em The Wolf Among Us. Tal como nos comics, aqui temos uma história de crime e mistério em jeito de aventura gráfica episódica tal como o Telltale Games nos tem habituado. Depois do sucesso de The Walking Dead (agora a caminho da segunda série) não é de estranhar que quisessem adaptar a fórmula vencedora a Fables mas jamais esperaria que o resultado fosse tão fascinante, mesmo após o já mencionado sucesso da sua mais recente série episódica. Desde que se estreou em 2005, o Telltale tem experimentado com aventuras por episódios e depois de altos e baixos, o sucesso chegou em 2012 e agora o estúdio está no seu auge.
Se jogaram The Walking Dead do Telltale então sabem muito bem o que vão ter aqui. Um point and click no qual nos podemos movimentar no cenário podendo interagir com pontos específicos dos mesmos ao tocar/carregar neles. Esta é uma parte do jogo pois a segunda são os diálogos nos quais temos diversas decisões para escolher num determinado tempo e assim criar diferentes desenrolares. Existe ainda uma terceira parte que consiste basicamente de QTEs nos quais temos que pressionar pontos específicos do ecrã a tempo para sermos bem sucedidos. Assim se resume The Wolf Among Us e o trabalho do Telltale mas o seu mérito está no forte foco da sua profunda, coerente e cativante narrativa.
Podemos dizer que a jogabilidade fica em segundo plano para dar total protagonismo à narrativa e tal é feito com toda a justiça. Ao longo deste primeiro episódio que dura pouco mais de duas horas, passamos mais tempo a ver e ouvir para responder do que propriamente a percorrer os limitados cenários que investigamos enquanto Bigby. Mas uma vez que toda esta realidade é absolutamente fascinante (quase tanto que as originais nas quais é baseada) sentimos desde logo que este é o caminho correto e jamais é sentida qualquer frustração em relação ao produto, sentimos que está certo.
The Wolf Among Us decorre vários anos antes do primeiro comic e o que temos aqui é um primeiro conjunto de personagens que conseguem todos eles serem fortes, coesos e interessantes. Algo que não é propriamente fácil de conseguir. O Telltales consegue um excelente trabalho e tudo resulta do trabalho em sintonia dos seus diversos factores. A aventura gráfica é simples mas profunda e os seus visuais são acompanhados de vozes de alta qualidade. Resultando num produto que irá agradar aos fãs dos jogos do Telltale e aos fãs de Fables.
No decorrer dos segmentos point and click temos o que pode ser considerado normal. Temos aqui até algum facilitismo porque os pontos de interação estão destacados e evidenciados mas de resto temos o padrão. Bigby irá conhecer personagens famosas em situações caricatas ou até inacreditáveis, de forma alguma irei estragar a história mas posso dizer que o jogo agarra mesmo o jogador pela sua narrativa, e vai passar por momentos bem diferentes. Imaginem que estão numa versão noir das fábulas de criança com um toque cruel de desajustamento e começam a ter uma ideia do trabalho de Willingham que inspirou o Telltale.
Estes momentos parecem ser quase raros após as duas horas de jogo que foram precisas para terminar Episode 1: Faith (a história gira em torno desta mulher e ao olhar para o quadro geral as mulheres destas fábulas parecem assumir sempre o papel de destaque tal como nos contos originais) pois o jogador irá passar mais tempo em diálogos. Aqui temos que escolher uma resposta ou optar pelo silêncio. As ramificações existem e até o próprio silêncio pode ser danificador. O Lobo Mau não é visto com os melhores olhos e a sua posição enquanto Xerife é quase caricata.
O jogo regista mesmo reações diferentes consoantes as nossas escolhas e as personagens vão tentar desafiar o jogador e vão deixar muito mistério no ar enquanto as tentamos solucionar e conhecer. Quando derem por ela estão completamente inseridos no mundo e na narrativa enquanto o tom de crime e mistério se intensifica. Nada é simples em Fabletown e o jogador vai conhecer uma narrativa que não me canso de elogiar. Existem alguns momentos que podemos chamar de ação nos quais teremos que ser rápidos a reagir para poder prosseguir na narrativa e todos eles demonstram um elevado cuidado para manter a personalidade dos personagens e a sua nova postura nesta diferente e mundana realidade que lhes é tão estranha. Alguns podem até ficar chocados com alguns acontecimentos e com a forma como alguns personagens encaram a sua vida, o tom de desencanto é evidente e Bigby parece ser o perfeito guia para este mundo.
Quando derem por ela está o episódio a terminar e a sensação que fica é que "agora que estava a ficar bom é que termina!" Na verdade sempre foi bom mas cresce gradualmente em nós e os seus visuais são um dos principais condimentos. Basta dizer que o jogo consegue mesmo dar a sensação de uma banda desenhada em movimento e impressiona muito. As cores, os traços BD, e o tom noir trabalham em conjunto para dar vida a estes personagens, resultando num produto singular e distinto. A presença de talento nas vozes dos personagens é o condimento que faltava para tornar tudo coeso e firme.
Em última análise os principais problemas com The Wolf Among Us são mesmo a sua curta longevidade (que não o será para quem esperar mais algum tempo para jogar os 5 episódios de uma vez só) e apesar de tal ser compreensível face à forte narrativa, os poucos momentos em que controlamos Bigby podiam ser maiores e exigir mais desafio. Ao seguir tão à risca a fórmula que lhes deu sucesso, o Telltale pode ter-se esquecido de desafiar os jogadores e se o seu enredo não fosse tão cativante a sensação de espectador ao invés da de jogador não seria tão facilmente perdoada. Uma maior ramificação nos diálogos poderia resultar ainda melhor pois por vezes mais parecem artificialidades para disfarçar a sensação que todas as escolhas acabam por ir dar ao mesmo.
Após o primeiro episódio, The Wolf Amongs Us só pode crescer, de outra forma não será perdoado ao Telltale. É uma entrada fascinante num novo universo e o seu enredo é possivelmente dos mais interessantes que vão encontrar. O estúdio soube aproveitar muito bem o trabalho de Bill Willingham e o seu próprio trabalho em TWD para nos dar uma janela para um mundo que se sente fantasioso mas ao mesmo tempo quase credível. Existe espaço para melhorar mas sem quaisquer dúvidas que estas duas horas foram bem usadas para fascinar. Agora é crescer e melhorar mais.