Toki Tori 2 - Análise
Pintainho que traz água no bico.
No ano passado, meses antes do lançamento da Nintendo Wii U, tive a possibilidade de jogar uma porção deste jogo baseado neste ternorento pintainho, desejoso por levar até ao nosso quarto uma provável banda sonora primaveril, mas também centenas de puzzles, alguns bem árduos de deslindar, e para cuja solução se requer a prática de duas acções; o assobio e o salto. Em termos de instruções sobre o jogo, isto é tudo o que precisamos de saber para começarmos a progredir e é justamente a ausência de objectos, indicadores e detalhes sobre a progressão, que mais curiosidade me provocou. Ao princípio isto é quase um choque. Raros são os jogos que se apresentam ao jogador assim com pouquíssimas indicações sobre a jogabilidade. Uma dessas raridades é Fez e permanece como um dos meus jogos favoritos indie (foi para mim o melhor do ano passado), o que nos leva a pensar que esta entrega despida de regras e indicações visa algo mais autêntico. Não é o jogo que se adapta ao jogador, é o jogador que tem de se adaptar às regras definidas pelos produtores. A comparação com Fez é relevante, e é como se a Two Tribbe dissesse: divirtam-se. A grande diferença entre os dois jogos é que Fez é muito mais um mundo de exploração e transformação, enquanto que Toki Tori 2 está mais delimitado pela sua mecânica.
Após uns dez a vinte minutos de contacto inicial, depressa nos apercebemos de que Toki Tori 2 é um jogo diferente da primeira edição lançada para o GameBoy. Mais sonoro, mais estimulante visualmente e mais desafiante, Toki Tori 2 é um jogo que promove essencialmente o ambiente que rodeia o pequeno pintainho amarelo, jogando-se até demasiado bem na primeira hora. A dificuldade aperta quando o jogador descobre que o resultado das nossas acções depende de mais variáveis e conjugações de eventos. No começo os puzzles são bastante simples e facilmente descobrimos as soluções. Desde logo começámos por verificar que muitas das criaturas que partilham o espaço com a nossa personagem, reagem de forma diversa às duas acções possíveis. Isto significa, por exemplo, que o assobio de Toki Tori pode levar um caranguejo a movimentar-se na nossa direcção, transportando sobre si mesmo uma caixa que fica ao nosso nível e que nos permite prosseguir para outro lado. Por outro lado, o salto efectuado ao lado de uma rã que tenha acabado de se alimentar leva-a a libertar uma bolha de ar, capaz de transportar Toki Tori pelos ares de forma temporária. Se acertar na direcção, o pintainho alcança uma zona superior, caso contrário volta ao ponto de partida.
É a partir desta lógica inicial e primitiva, por comparação com os desafios promovidos em momentos ulteriores do jogo, que vai ganhando dimensão este peculiar e visualmente apelativo jogo de puzzles. Lógica assente numa regra comum aos jogos de plataformas; conduzir a personagem do ponto A até um ponto B, ou seja, de um ponto de partida até uma chegada, na qual existe um monólito que regista a progressão e funciona como ponto de save. A manipulação do ambiente e das criaturas existentes naquele mundo primaveril de Toki Tori acaba por ser determinante não só em termos de mecânica assumida para completar os puzzles, sendo ao mesmo tempo a via para a narrativa, contada por intermédio destas acções.
Há sempre uma contextualização. E se no começo facilmente descobrimos onde está o segredo do puzzle para aquela área, numa lógica de acontecimentos que devem ter lugar de forma sucessiva, não tardará até que o grau de exigência roce e penetre dentro de um ciclo de pensamento lateral. Neste caso ficámos perto de um Braid ou até de um Fez, sendo que a comparação acaba por ser maior com o primeiro, já que ao ficarmos presos num puzzle, não saímos dali sem descobrirmos a solução. Outras vezes é exigida uma acção rápida, numa quase sincronia que embora seja cómoda de atingir nalgumas secções, noutros momentos a destreza e eficácia exigidas assumem tal preponderância que perdemos ali uns bons minutos, em desespero, tentando que se forme uma cadeia de eventos bem sucedidos.
O grau de dificuldade colocado nalguns puzzles implica que havendo um erro tenhamos de voltar atrás. Tal será possível através do assobio das notas em diferentes tons. Este regresso ao ponto de gravação intermédia é útil, mas muitas vezes desloca-nos bastante e obriga-nos a superar puzzles já percorridos antes de chegarmos ao ponto onde nos encontrávamos. Outra canção de assobios permite que a personagem active uma câmara, essencial para tirar fotografias às diferentes criaturas que vamos encontrando.
Mas o excesso de dificuldade, não deriva só da convocação do pensamento lateral e abstracto para certos segmentos. Algum desapontamento pode surgir em função da estrutura pouco linear do jogo, causando interferência na nossa busca pelos pedaços de ouro escondidos em pontos mais afastados, e justamente porque não sabemos quantos pedaços faltam por área e também porque deixamos passar puzzles que não detectamos, ou pensámos existir um percurso por ali. Percebo que os produtores queiram que o jogador se emaranhe naquele mundo e se sinta impelido a visitar direcções anteriormente não seguidas, mas para isso tem de voltar atrás (através de uma espécie de monólitos) e começar novamente certos segmentos, numa progressão que se pode tornar aborrecida e extenuante.
Em termos de arte e design, Toki Tori 2 é um jogo muito colorido, animado e altamente apelativo. Bastante recortado visualmente, a simplicidade deste mundo lembra-nos o Green Hill de Sonic the Edgehog convertido para alta definição, com efeitos primaveris causados pelos assobios do pintainho, mas também possui uma composição típica de um desenho animado independente. Os efeitos visuais podem ser escassos, mas a descrição é convincente, segura e bastante diversificada. Um dos melhores pontos do jogo.
No meio de uma composição estética tão forte, só temos que lamentar o grau de exigência colocado pela Two Tribes em muitos puzzles. Percebo que para os produtores esta seja a tarefa mais complicada : encontrar um ponto de equilíbrio entre o que pode ser dado ao jogador para este se safar em situações de aperto. Mas algumas vezes a perdição chega a ser total, levando muitos jogadores a consultarem soluções através de guias. Talvez a intenção dos produtores tenha sido fazer desta uma experiência para ser partilhada com alguém que esteja connosco. Duas cabeças sempre pensam mais do que uma e o Miiverse também pode ajudar (pois o que não falta nesta altura são comentários de jogadores a solicitarem ajuda). De certa maneira o jogo acaba por ficar significativamente condicionado pela limitação da mecânica. É verdade que duas acções podem ter aplicação para uma grande diversidade de desafios, mas estes também ficam reféns das mecânicas, pelo que num caminho que acaba por ser estreito, o jogador vê-se muitas vezes entre a espada e a parede. Fãs de Fez e Braid podem encontrar aqui uma alternativa bastante válida, ainda que a sua jogabilidade condicione o resultado final.