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Trazer Lan Di à justiça

Dez anos de Shenmue e sobre o seu futuro.

Yu Zuzuki baptizou Shenmue como uma experiência “full reactive eyes entertainment”, jargão que pretendia resumir a actividade do protagonista. Ryo Hazuki seria os olhos do jogador, mas apesar da temática e mecânica originais, é impossível contar outros projectos que tenham uma identidade próxima ou que partilhem o género. Em bom rigor, Yu Suzuki nunca escondeu as dificuldades por que passou até dar forma a Shenmue. Chegou a ser desenvolvido para a Sega Saturn, mas a ideia não prosseguiu nesse sistema devido às limitações de “hardware”. Inicialmente Yu Suzuki tinha como ideia levar a personagem Akira de Virtua Fighter para uma viagem pelo mundo onde teria de lutar com vários oponentes – aka Virtua Fighter RPG. Contudo, rasgou-se o rascunho para dar molde a uma personagem nova dentro de um “setting” distinto, ancorado a um argumento compreendido em vários episódios.

Editado Shenmue 2 e contas feitas pela Sega, o cenário era negativo. Os excessivos custos de produção ditaram a interrupção abrupta da série, quando os fãs já aguardavam pelo terceiro episódio. Orçamentado em milhões, os custos de produção, tradução e exportação para os principais mercados depressa galgaram as receitas e inviabilizaram a hipótese de continuação do projecto.

Há uma alternativa ao Ferrari Testarossa de Out Run; corrida de empilhadores na marina de Yokosuka. O último a cortar a meta vai para a jarra.

No seu tempo Shenmue conquistou uma identidade e interesse que ainda hoje florescem junto de alguns grupos, os mesmos que subscreveram uma petição on-line em 2005 (20 mil assinaturas) pedindo a continuação da série. Interessante e com um conceito inovador, teria a Sega condições para voltar a erguer este pesado fardo? Poderia um jogo com elevados custos “viver” à custa do apoio de grupos de fãs, os únicos que aceitariam comprar o jogo no “day one”. Poderia o projecto tornar-se multiplataformas dentro das consolas da nova geração? Que novas ideias iria acrescentar Yu Suzuki para competir com presuntivos concorrentes como GTA, Read Dead Redemption, entre outros.

A série Yakuza, sob direcção e edição da Sega e enquanto exemplo de sucessor espiritual de Shenmue, é o exemplo de uma produção com custos controlados. Yakuza gira em torno de outras personagens e amarra-se no tema das famílias e do “mob” nipónico. Kazuma Kiryu enfrenta outras motivações no seu combate, mas são indisfarçáveis alguns pontos que unem as séries, o que nos leva a crer que a boa aceitação de Yakuza daria boas perspectivas para a continuação de Shenmue.

Depois, e numa decisão de lançar o terceiro episódio, a Sega teria de decidir-se pelo apoio de algum sistema ou se torná-lo-ia multiplataformas. Por comparação com Yakuza a exclusividade das consolas da Sony compreende-se à luz do interesse da audiência nipónica pela série. Lançado na PS2 e com transição para a PS3 a recepção no mercado nipónico é crucial, sendo que em termos do mercado europeu e norte-americano, as variações de vendas de uma para duas consolas dificilmente seriam significativas. Contudo, e perante a boa profusão de Shenmue no ocidente, a Sega veria com bons olhos um lançamento para a 360 e PS3, à semelhança dos projectos dirigidos pela Platinum Games.

Em Shenmue City, Ryu Hazuki não está presente. Outras personagens serão reconhecidas.

Apesar do interesse dos fãs no sentido da continuação da série, dificilmente a Sega dará instruções para realizar o terceiro jogo ainda nesta geração. A colaboração da Sega com a YS Net e a Sunsoft, juntamente com Yu Suzuki para o desenvolvimento de Shenmue World, deixa claro que a intenção é trabalhar em novos projectos através de passos curtos e ponderados, estreitando ao máximo todo o risco. Shenmue Gai (world ou city) será lançado, por enquanto, apenas no Japão e para o sector dos telemóveis. Há interesse em fazer chegar o jogo ao ocidente, até para outras plataformas, mas ainda nada está decidido.

A participação de Yu Suzuki no jogo revela que a Sega mantém a confiança no produtor para a liderança do projecto. No entanto, os conceitos são distintos. Um jogo como Shenmue 3 necessitaria de muito trabalho até materializar novas ideias e conceitos capazes de tornar o produto competitivo. Só assim poderiam ser atribuídas outras motivações para demarcar o produto dos anteriores. Suzuki mantém a esperança de voltar a trabalhar no argumento de Shenmue, nem fecha a porta a essa possibilidade, afinal qual é o produtor que volta as costas a um bom desafio. Ainda está muito longe o cenário onde estariam reunidos todos os elementos necessários para o projecto. A Sega vive com lições do passado, pelo que retomar um projecto altamente dispendioso e que alimentou os prejuízos para a companhia tem de ser operado com toda a minúcia. No entanto e percorridos dez anos, Shenmue ainda soma paixões e críticas. Não é uma obra consensual, mas uma saga original e da casa Sega que deixou largamente satisfeita a maioria dos apoiantes da Dreamcast.

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