TT Isle of Man: Ride on the Edge 2 - Review - Rugido motor no coração da natureza
Não há corrida igual.
A corrida "trial" na Ilha de Man é um dos mais antigos bastiões de audácia e sangue frio, senão o único reduto em actividade dos desafios motorizados de outrora, numa falta de sintonia com os tempos modernos que vivemos, de apregoada segurança nas estradas e veículos pilotados por humanos que ousam bem para lá dos seus limites. É raro não lamentar quase todos os anos a perda de uma ou mais vidas humanas nalguma parte do extenso percurso que galga os sessenta quilómetros e que não leva muito menos de vinte minutos a ser completado. Num misto de sequências rápidas, vertiginosas, apertadas, oscilando por zonas abertas e por entre árvores, muros, passeios e sinais de trânsito, ali se projecta uma prática desportiva que desde 1907 conjuga valentia e sofrimento, heroísmo e fatalidade.
A alma motorizada da francesa Kylotonn agarrou o desafio há um ano, projectando em videojogo as agruras mas também a diversidade proporcionada por uma competição que é sobretudo uma luta contra o relógio, um cenário bem diferente das corridas do Moto GP que têm lugar em circuitos curtos. O que diferencia a prova irlandesa daquelas é sobretudo a aproximação aos perigos. A proximidade dos muros, a velocidade elevada, os ressaltos no asfalto, os passeios, as árvores, as ravinas. Não existem escapatórias nem zonas de segurança. Aquelas são estradas do dia-a-dia, por onde flui o trânsito na pacatez e tom bucólico dos que vivem numa ilha de habitações esparsas, em contacto com a natureza.
A Kylotonn capturou muito bem a dimensão da prova, levando o rugido dos motores, com todo rigor da condução, ao centro da natureza, arrastando adrenalina e aquele pico de tensão que só os veículos motorizados proporcionam quando se acrescenta uma marcha e a rotação sobe. A música substituída pelo vento aguça o passeio à luz do sol, torna-o demoníaco e tenebroso. É uma jornada longa e solitária, sempre com o perigo à espreita e quase impossível de evitar uma queda quando o sangue corre aceleradamente nas veias e faz estalar a ponta dos dedos. Este é daqueles jogos que escancaram como aqueles pilotos são de outro planeta.
Desafios de uma sequela
A coqueluche de TT Isle of Man 2 ainda é a grande prova com a sua extensa quilometragem. Mas para a encarar com sentido e todo o respeito que a mesma impõe, justifica-se uma aprendizagem e um crivo apertado por um extenso e renovado modo carreira que desta vez se mostra mais recheado de desafios e à medida da experiência de cada um. Saltarem imediatamente para a dureza da prova equivale a encontrar desapontamento pela quantidade de vezes que vão embater estrondosamente. Há algo que não estão a fazer bem entre a subida de adrenalina e a adaptação, por isso justifica-se perceber qual o melhor setup, entre o amadorismo dos principiantes e o profissionalismo dos mais experientes.
É uma boa camada de adaptação, o tutorial que nos introduz à condução. Podendo desfrutar imediatamente de uma série de opções "trial" e também em corrida, a opção mais cómoda e sensata passa por desenvolver o modo carreira. Nele não só começamos pelas motos mais acessíveis e com melhor controlo como também conhecemos porções do circuito principal, segmentos mais curtos e específicos. Aqui a novidade é o sistema de perks, que parece tomar a forma de uma faca de dois gumes. Se por um lado adiciona determinadas vantagens, por outro não gera grandes efeitos quanto à sua utilização, sem contar com uma direcção oposta ao realismo que parece ser nota dominante da experiência. Claro que há um perfil associado a um contrato e estes são mais diversificados pelo critério da dificuldade. Baixar o grau de dificuldade faz baixar os prémios, especialmente monetários, podendo os perks serem usados como cartadas nas provas onde os rivais tendem a pilotar melhor e mais rápido.
Níveis de dificuldade elevados não só tornam mais exigente a condução - o jogo pode aproxima-se de um simulador - como o erro é constante, com reflexos na tabela de tempos. Pode tornar-se frustrante e até desmotivante para uma competição que dobra o ano. A vantagem é a maior personalização e se quisermos baixamos o grau de dificuldade na prova seguinte.
Além disso, muitas provas do modo carreira têm lugar em circuitos normalmente curtos, mas igualmente rápidos e desafiantes, ideais para nos sentirmos mais confortáveis com o realista modelo de condução. O sistema passa muito pelas provas cronometradas, dando mais do que uma volta. Os locais são distintos. Enquanto que o realismo é maior na prova TT oficial, com todas as localidades assinaladas e pontos de mudança de estrada assinalados, especialmente nos seus pontos icónicos, as outras estradas são inspiradas nas colinas, planícies e lagos irlandeses e britânicos, um misto que parece aproximar-se de um Forza Horizon 4.
Volta à ilha de Man
Após o modo carreira, não há muito mais a disputar com o mesmo grau de longevidade. O multiplayer e o online oferecem sistemas que assentam sobretudo em tabelas de tempos, sem grandes nuances face ao jogo original. O "trial" continua como uma opção para quem queira competir imediatamente, tendo por base uma prova. É interessante descobrir a ilha na opção que desbloqueia todas as estradas e nos deixa circular livremente, acumulando quilómetros de estrada. Mas nem sequer se pode falar de uma aproximação ao funcionamento de um Forza Horizon pois não existem provas isoladas.
Interessante a implementação da mudança de condições atmosféricas, ainda que não haja chuva. Seria um factor adicional de dificuldade, tornar o piso viscoso e propício para quedas a média e baixa velocidade. Já em tempo seco, a condição de aderência da pista favorece uma dose de risco. A condução é cativante, sobretudo quando começamos a meter as mudanças manuais e sentimos a resposta da mota, através de uma sacudidela e aumento do som do motor. O acelerador é muito sensível e requer algum cuidado na forma como é apertado. De um modo geral a condução é bastante satisfatória, gratificante e desafiante, talvez o factor que mais acaba por distinguir este jogo dos outros de duas rodas.
Apesar dos esforços canalizados nesta sequela ainda vislumbramos alguns erros e "bugs", sobretudo de contacto com rivais computorizados e ao nível da recuperação em pista, factor que pode arruinar algumas corridas. As perspectivas de câmara, ainda que dilatadas, não servem se não para melhorar alguns efeitos e piorar outros. A visão do interior do capacete oferece bastante realismo e uma óptima sensação de velocidade, só que é quase impossível conduzir. Vale pela repetição. Também a produção visual não parece melhorar muito após o original. Bem sabemos que a Kylotonn trabalha normalmente com orçamentos modestos, ainda assim são visíveis algumas melhorias ao nível da luminosidade. E que dizer daquelas partículas de metal queimado quando adornamos mais numa curva e raspamos o metal no asfalto.
Da oferta motorizada proporcionada pelo estúdio que trabalha com a série WRC e V-Rally, TT Isle of Man 2 é um jogo especial que não deixará insatisfeitos os entusiastas das duas rodas. É óptimo o prazer da condução, num dos raros bastiões senão mesmo prova única. Se é bom que jogos como este existam para que tenhamos mais diversidade, também é verdade que estamos perante uma sequela que na realidade não modifica especialmente a experiência original. Há arestas limadas, há maior personalização na adaptação ao jogo e um conjunto de percursos paralelos à prova porventura mais agradáveis mas ainda não é um jogo no ponto. Se falharam o anterior...
Prós: | Contras: |
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