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Vampyr - Análise - o beijo do vampiro

Protege o pescoço!

O combate de Vampyr deixa um pouco a desejar, mas existe charme neste mundo sombrio.

Os vampiros ganharam uma reputação menos boa na última década, derivado de forma quase total à famosa saga adolescente, que coloca estas lendárias criaturas como possíveis interesses românticos e com corpos que cintilam sob a luz do sol. Por isso, não te deixes enganar: para todos os efeitos, os vampiros são efectivamente criaturas perigosas, sanguinárias, manipuladoras e matreiras, capazes de cilindrar uma cidade inteira sem deixar rasto.

É aí que, para mim, jaz um dos grandes sucessos de Vampyr, o mais recente RPG da Dontnod (a companhia por trás de outros títulos como Remember Me e Life is Strange) - conseguiu restabelecer a credibilidade destas criaturas das trevas. Ainda assim, o jogo pode ser problemático em alguns campos e, para ficares a conhecê-los, só tens de continuar a ler esta análise.

O jogo começa na nota certa: irás tomar o controlo de Jonathan Reid, um doutor especialista em transfusões de sangue que se depara com a triste realidade de que se tornou num vampiro, numa Londres completamente devastada pela morte, epidemia e peste. É, portanto, o cenário ideal para uma história deste género.

Todavia, Jonathan Reid decide aceitar trabalho como doutor num hospital, permitindo-lhe viver uma espécie de vida dupla, e é aqui que tudo começa a descambar um pouco. A busca pela verdade sobre quem o criou e colocou naquela situação vampiresca, que motiva a personagem nos primeiros instantes do jogo - um dos poucos traços que a fazia remotamente interessante - é deixada para segundo plano em detrimento de missões mais corriqueiras que incluem resgatar pessoas desaparecidas, procurar mantimentos para o hospital e desvendar um caso de chantagem, entre outras missões básicas que serás obrigado a completar caso queiras descobrir mais sobre este mundo e esta história.

A partir deste momento, o jogo nunca mais conseguiu regressar à aura misteriosa e à atmosfera aterrorizadora que tanto o caracterizou nos primeiros vinte minutos, apesar de alguns bosses curiosos e reviravoltas na narrativa que irás descobrir ao longo da tua jornada.

O combate fica sempre um pouco aquém, especialmente quando comparado com outros jogos.

Rapidamente, o mundo de Vampyr torna-se um pouco aborrecido. Continua a ser belo, com gráficos e música exemplares: as ruas, vielas, esgotos, docas, armazéns que dão vida à cidade são todos lindamente modelados: no entanto, chegará um ponto no jogo em que terás dificuldade em distinguir uma determinada zona de Londres da seguinte, tornando muito difícil a deslocação de um lado para o outro.

Sem pontos de viagem rápida, terás que te deslocar pelas mesmas ruas uma e outra vez, matando os mesmos inimigos que derrotaste previamente, por vezes em número suficiente para te sentires assoberbado e, eventualmente, morreres. E isto aplica-se tanto a inimigos humanos como a outros vampiros que deambulam pelas ruas da cidade.

Das primeiras vezes, isto pode representar um desafio aliciante mas verás que, não tarda, será um pouco difícil conter a exasperação, ainda para mais para um jogador como eu que, por norma, gosta de seguir uma abordagem mais vocacionada para o stealth. Serás, então, obrigado a combater todos os inimigos que estão na arena, por vezes em números injustamente superiores ao teu e não vale a pena correres por entre eles e tentares chegar depressa ao portão de saída: o mesmo só será destrancado assim que o combate tenha terminado.

Fica inteiramente ao teu critério a decisão de matar determinado cidadão, sendo que podes completar o jogo sem o fazeres.

Dito isto, o combate é, para o bem e para o mal, um dos pilares principais de Vampyr. Por um lado, algumas das habilidades especiais vampíricas que podes desbloquear e melhorar são verdadeiramente interessantes e conferem um tom mais sobrenatural ao jogo, além da sua estética mais apelativa. Pelo outro lado, é impossível não achar o mesmo injusto, ainda para mais se não pretendes matar nenhuma personagem do jogo (algo sobre o qual me irei debruçar de forma mais aprofundada à frente).

Terás várias secções do jogo onde serás colocado contra 5, 6, 7 inimigos altamente armados, sem a possibilidade de os derrotar de uma forma mais furtiva. Para além disso, em diversas ocasiões, serás obrigado a enfrentar um inimigo principal rodeado de outros mais fracos, sendo que os mais fracos irão continuar a surgir até que tenhas lidado com o mais forte.

Se este tipo de combate não é o teu forte ou algo com que te sintas propriamente confortável, então será um pouco difícil não ficares stressado com Vampyr, especialmente quando és derrotado repentinamente, com um único ataque e ainda tens um terço da tua vida. Também poderá acontecer quando decides regressar a uma área já visitada e descobres que tens de matar os mesmos inimigos que mataste anteriormente. Tens um botão que te permite evadir - uma acção que irá gastar stamina - e aconselho-te a abusares dela em situações de batalha.

Existem também várias batalhas espalhadas ao longo do jogo com personagens relacionadas com a história e ligeiramente reminiscentes a Dark Souls, se bem que nunca atingindo o grau de design da famosa saga da From Software. Poderás escolher uma arma para cada mão de Jonathan Reid que, ao serem usadas, irão também gastar stamina. Ainda assim, as habilidades vampíricas são o elemento mais interessante do combate do jogo, dando-te a possibilidade de criar, por exemplo, uma barreira defensora, invocar flechas de sangue que atravessam os teus inimigos, colocar um vórtex nos seus pés, enfim, várias possibilidades para te defenderes/atacares. Para além da tua barra de saúde e barra de stamina, tens ainda uma terceira que diz respeito à quantidade de sangue que possuis - se tiveres o suficiente, poderás então executar os ataques especiais de Jonathan Reid.

O sistema de subida de nível e de obtenção de XP é, provavelmente, a parte mais interessante de todo o jogo.

Assim sendo, caso não estejas a gostar do combate ou estejas a achá-lo demasiadamente difícil, o maior conselho que te posso dar é estares sempre no nível mais alto possível. No meu caso específico, fui obrigado a abortar várias missões e voltar atrás por não estar poderoso o suficiente para derrotar certos inimigos. Felizmente, em Vampyr, o sistema de subida de nível e de obtenção de XP é, provavelmente, a parte mais interessante de todo o jogo - e que realmente o distingue de outras obras.

Como não poderia deixar de ser, terás que usar sangue como forma de obtenção de XP. Claro está, poderás também obter alguns pontos de experiência completando as missões do jogo, mas se estás com pressa em desbloquear novas habilidades mais poderosas, a melhor forma é drenando o sangue dos cidadãos de Londres. Dependendo do estado de saúde do cidadão em questão, irás obter mais ou menos XP - no entanto, não te esqueças que estás a jogar com um doutor.

Podes criar medicamentos que combatem a fatiga, anemia, pneumonia, entre uma série de outras doenças que assolam a população londrina e, ao fazê-lo, irás aumentar o XP que receberás a partir do sangue desse indivíduo. É deveras sádico saberes que estás a curar essa pessoa para te aproveitares dela, quase como criando um porco para o matadouro. Este processo obriga-te a usar umas das habilidades mais curiosas de Jonathan Reid - hipnotismo - mas estes actos irão trazer consequências.

É isto que torna Vampyr verdadeiramente fascinante! Para além de teres que prestar atenção ao teu nível de hipnotismo, que irá limitar as pessoas que podes manipular, terás que ponderar realmente se valerá a pena matar estes NPCs uma vez que tal acto irá colocar o distrito num nível mais crítico, o que significa mais criaturas perigosas nas ruas deste mundo sombrio. Este constante equilíbrio de forças é um dos pontos mais curiosos de todo o jogo fazendo-te, por vezes, sentir como um verdadeiro imbecil. Matei uma senhora idosa por 1300 XP, dentro da sua própria casa, mas precisava urgentemente desses pontos de experiência. Não me orgulho de tal acção, mas era o meu último (e mais rápido) recurso.

Ainda assim, o jogo oferece-te a possibilidade de investigares o passado (e presente) destas diferentes personagens, dando-te a descobrir novos lados e facetas: provavelmente, aquela enfermeira trabalhadora não é tão inocente como pode aparentar. Quem sabe, está mesmo ligada a uma rede criminosa. Esta dualidade constante confere um grau mais estratégico ao jogo: por um lado, não deixas de ser um doutor com os meios e capacidades de ajudar os cidadão adoecidos; por outro lado, Jonathan Reid não deixa de ser um vampiro, com uma sede incontrolável por sangue. Por isso mesmo, fica inteiramente ao teu critério a decisão de matar determinado cidadão, sendo que podes completar o jogo sem o fazeres e, se estás a achá-lo fácil, é aconselhável não o fazer - mas, desse modo, não serás capaz de aceder às habilidades mais curiosas que o jogo oferece.

Vampyr não é um jogo perfeito, mas as ideias chaves que estão na sua génese são bastante criativas e conferem um peso à história. Apesar de não quebrar barreiras, este é um dos mundos mais complexos, coesos e estratégicos que vi num jogo. O combate fica sempre um pouco aquém, especialmente quando comparado com outros jogos, mas a interligação existente neste mundo faz com que cada acção que decides tomar tenha uma consequência .

Seja ela boa, má ou ambas - obrigam-te a olhar para Vampyr de uma forma mais estratégica e que vá de encontro à tua forma predilecta de jogar. De certo modo, tu é que decides a dificuldade do jogo e o facto deste poder estar nas tuas mãos cria um sentimento extra de adrenalina e confere um tom mais realista à história. É complicado não ficar com a sensação de que Vampyr podia ter ido mais longe e que talvez consiga lá chegar com algumas actualizações. Ainda assim, muitos parâmetros corresponderam às minhas expectativas.

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