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Videojogos2013, com Tale of Tales e Dan Pinchbeck

Mecânicas e experiência.

Decorreu esta semana em Coimbra a Conferência de Ciências e Artes dos Videojogos, Videojogos2013, organizada pela Universidade de Coimbra e pela Sociedade Portuguesa de Ciências dos Videojogos - SPCV. Durante dois dias pudemos assistir a apresentações dos melhores trabalhos científicos nacionais relacionados com a ciência dos videojogos. Como ciência multidisciplinar que é, potenciou o encontro entre pessoas provenientes de áreas tão distintas como a Informática, a Comunicação, a Educação, o Design, as Humanidades e as Belas Artes. Esta apresentação de trabalhos científicos tem por objectivo contribuir para criação de uma comunidade mais sólida no estudo das ciências dos videojogos no país.

Pelo meio decorreu a tradicional sessão de demonstrações de jogos realizados por alunos e ex-alunos universitários. Este ano o vencedor foi "Bipolar" criado pela equipa Squared Muffin, constituída por ex-alunos do IST. Primeiramente criado para o LudumDare 26 em Unity, trouxeram-nos uma versão bastante melhorada do seu conceito original e minimal. Houve lugar ainda a quatro menções honrosas para: "Gravity Forge" da equipa BJJ Enterprises da UC; "Slam!" de Inês Moital e Nuno Costa do IST; Blindfold de Durval Pires, Luís Reis, Bárbara Furtado e Tiago Carregã da UC; e ainda "Hexcape" de Vitor carvalho, Pedro Meleiro e Gonçalo Silva da FEUP.

"Bipolar da Squared Muffin, vencedor do prémio Melhor Demo da Videojogos2013."

Mas os momentos mais relevantes da conferência, como já vem sendo hábito, ficaram marcados pelas palestras dos convidados internacionais. No agradecimento final que realizei aos organizadores da conferência, enquanto representante da direção da SPCV, dei conta do facto da Videojogos2013 se ter destacado das anteriores edições pelo sólido e coerente conjunto de palestrantes internacionais apresentados - Tale of Tales, Miguel Sicart e Dan Pinchbeck - que foram capazes de dar corpo completo ao tema da conferência deste ano, "Arte em Jogo".

A abertura, das palestras convidadas, coube ao reputado colectivo belga, Tale of Tales, composto por Michael Samyn e Auriea Harvey, aclamados por jogos como "The Endless Forest" (2005), "The Path" (2009), "Bientôt l'été" (2013). A sua palestra, como não podia deixar de ser, pautou-se pela diferença, fugindo totalmente ao cânone das apresentações académicas. Michael e Auriea investiram um terço da sua palestra contando uma história oral sobre a evolução do conceito de Belo na pintura, atravessando o renascentismo, passando depois por alguns ícones do mundo dos videojogos, exemplificando ideias com alguns dos seus próprios trabalhos. No final, os Tales of Tales, acusaram o modernismo de ter iniciado um processo de destruição do conceito de beleza na arte, ao enfatizar o original formal, destituindo de valor a ideia de beleza.

Esta abordagem da arte, enquanto objecto belo, pretendia centrar a enfâse da criação de videojogos sobre a experiência do jogador. Ou seja, a ideia para um videojogo deve partir da vontade de criar um objecto capaz de produzir impacto na experiência estética do jogador, e não um videojogo que formalmente vai para além dos anteriores, em termos meramente técnicos ou formais. Na discussão final, Samyn referia que aquilo que andamos à procura, é do "videojogo, enquanto obra de arte, capaz de nos levar ao orgasmo". Um sentimento de beleza tão forte ao qual não podemos resistir, que nos agarra, nos torneia, como um todo, independentemente de ser novo, original, diferente, formalmente inovador. Importa apenas o o que é capaz de nos fazer sentir.

"Damásio seria melhor designer de jogos que Descartes" - Dan Pinchbeck na Videojogos 2013

Na palestra de fecho da conferência Dan Pinchbeck ("Dear Esther", 2012; "Amnesia: A Machine for Pigs", 2013) iria procurar substanciar o discurso dos Tale of Tales, dando-lhe corpo académico, com conhecimento da neurociência e psicologia, explicando porque razão "Damásio seria melhor designer de jogos que Descartes". Pinchbeck explora a ideia da impossibilidade de separação entre a Emoção e a Razão, e trabalha essa indivisibilidade no artefacto videojogo, ao sentenciar as mecânicas de jogo como meras ferramentas. A mecânica pode até ser o centro de um pequeno jogo indie, aquilo que o leva a afirmar-se e a destacar-se, mas a mecânica chega até nós quase exclusivamente pela lado da razão. Podemos admirar a racionalidade por detrás do desenho da mecânica, a sua complexidade, originalidade mas isto representa apenas uma parte da experiência daquilo que um videojogo deve ser enquanto obra de arte.

Diz Pinchbeck, "para nós o objectivo é a experiência emocional a mecânica é apenas uma ferramenta que nos ajuda a criar a experiência... aquilo que verdadeiramente nos interessa é contar histórias. É falar ao coração". Ao longo da sua palestra Pinchbeck acaba por definir melhor como tudo isto se traduz nas ações do jogador, ao separar aquilo que ele considera serem "estados de resolução de problemas" e "estados de experienciação emocional". Ou seja, quando fazemos algo num videojogo, fazemo-lo porque estamos a tentar resolver um problema, dar uma resposta ao jogo, ou porque nos sentimos emocionalmente impelidos a agir daquela forma?

No final da conferência, e em conversa com o Michael Samyn, discutimos sobre as nossas preocupações pessoais relativas à arte interativa surgidas com o web design nos anos 1990, e o quanto os videojogos fazem sentido como meio de expressão para quem se preocupa e reflete sobre a estética da interatividade. E ambos concordámos que o facto da área se definir por duas palavras, vídeo e jogos, não ajudou o meio. Tendo eu explicado que essa é a exata razão pela qual eu nunca escrevo videojogos separado, e porque a nossa Sociedade e Conferência também não o faz, como o dicionário exigia até há pouco tempo atrás, porque os videojogos são uma nova forma de expressão artística, não são mais apenas o audiovisual do vídeo, nem o jogo dos jogos, são algo totalmente novo.

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