Viúva Negra é uma merecida homenagem
Um filme de ação com os pés bem assentes no chão.
Hollywood está a tentar regressar à normalidade após a pandemia COVID-19 e a atual realidade permite-te ir ao cinema assistir ao filme "Viúva Negra" ou optar pelo Acesso Premium no Disney Plus. O mais importante é que dois anos depois do anterior filme, Homem-Aranha: Longe de Casa, o Marvel Cinematic Universe está finalmente de volta e com uma autêntica homenagem a Natasha Romanoff. Este é o início da Fase 4 e mostra como uma fantasia de espiões num mundo de criaturas incrivelmente poderosas pode na mesma manter, inesperadamente, os pés na terra. Viúva Negra não é um dos maiores blockbusters da Marvel Studios e acredito que é um dos seus filmes que mais opiniões vai dividir, mas pessoalmente gostei e muito do que vi.
Dez anos após a sua introdução em Homem de Ferro 2, a agente Natasha Romanoff, mais conhecida como a Viúva Negra, interpretada por Scarlet Johansson, teve finalmente direito a um filme com o seu nome no título e focado em si. Acredito que esta homenagem a Natasha peca por tardia, sentimento reforçado pelo posicionamento do filme na linha temporal do MCU (logo após Guerra Civil), mas mais vale tarde do que nunca e para quem cresceu com as bandas desenhadas da Marvel Comics, será fácil ficar entusiasmado e entretido ao longo das 2 horas de duração. Especialmente porque o filme investe no melhor que a personagem deu a este universo ao longo destes 10 anos e vai além da sensualidade, melodias de embalar ou poses bizarras em momentos pré-confrontos.
Ao longo da última década, foram feitos vários esforços na banda desenhada para aprofundar Natasha Romanoff e a essência da Viúva Negra, criando novas camadas além da fachada de uma espiã que luta ao lado de monstros e deuses. Seja na série escrita por Nathan Edmonson que mostra mais das origens e do outro lado "spy-fi" da Viúva Negra, passando pela sensacional série de Mark Waid e Chris Samnee (que inspirou imensas das cenas e conceitos do filme realizado por Cate Shortland), Natasha Romanoff conquistou um espaço só seu na banda desenhada e sinto que até no cinema o conseguiria fazer. Com isto quero dizer que a personagem está num momento muito bom. A mais recente série de Kelly Thompson é candidata a um Prémio Eisner e já nos preparou para um lado mais humano, mais focado na família e nas emoções, que expõe de forma inédita perspetivas sobre quem é Natasha. Vão muito além da unidimensionalidade de uma espiã que agora trabalha para a SHIELD e encontrou nos Vingadores uma família.
A personagem cresceu imenso desde a sua estreia extremamente sexualizada em Homem de Ferro 2 e o papel de Scarlet Johansson na conceção do filme não pode ser menosprezado. As suas palavras de 2012, quando falava da personagem e do porquê se ter esforçado tanto para dar vida a Natasha Romanoff no grande ecrã, fazem agora ainda mais sentido. Segundo comentou na altura, "eu identifico-me com a Viúva Negra. Ela é uma super heroína, mas também é humana," disse Johansson. "Ela é pequena, mas ela é forte. Ela é sombria e enfrentou tantas vezes a morte que tem uma profunda perspetiva do valor da vida. É difícil não a admirar." Esta descrição de Johansson da personagem é incrivelmente certeira e revela precisamente o que foi feito neste filme, o que deixa a pensar que não foi feito porque sim, mas porque já existia todo um conceito e desejo na mente dos responsáveis.
Viúva Negra é muito mais do que um filme de espiões no mundo dos Vingadores, com lutas acrobáticas que desafiam a realidade e ameaças que parecem inultrapassáveis. É um filme sobre pessoas, especialmente mulheres, exploradas desde crianças como instrumentos de morte. É um filme sobre conceitos como família, seguir em frente e quebrar ciclos de dor. Antes do filme começar já esperava ver Johansson a fazer de espiã extremamente perspicaz e a enfrentar situações adversas, especialmente porque é uma fugitiva procurada pelo governo dos Estados Unidos após ter ajudado Steve Rogers a escapar na Alemanha. Tal como Johansson disse, ela é uma super heroína, mas também é humana e toda a dor do passado deu-lhe uma especial perspetiva do valor da vida. Esta é a melhor forma de encarar Viúva Negra, um filme de super heróis, com as explosões e perseguições que isso exige, mas com um inesperado toque humano que me fez ganhar ainda mais respeito por esta personagem.
O olhar ao passado de Romanoff mostra de forma rápida e eficaz como ela cresceu e foi treinada como uma máquina letal, sem qualquer opção de escolha e ao longo do filme vemos como o passado sombrio ficou bem vincado em tragédia, mesmo quando procurava a luz. A relação com personagens como Yelena Belova (Florence Pugh) e como sentiram em conjunto o mais próximo que podiam chamar de família é um dos pontos nucleares da visão de Shortland para humanizar esta mulher, até agora vista como Vingadora ou super espiã. O toque de humanização a personagens com habilidades fora do normal resulta muito bem e mesmo que alguns momentos mais calmos se prolonguem um pouquinho em demasia, as cenas de ação, luta, perseguição e acrobacias à lá Marvel Studios estão todas lá. Isto é verdadeiramente um "Comic book movie" e isso vai agradar a todos os que adoram as bandas desenhadas. Além disso, sendo um filme de espiões, não podia faltar a passagem por uma cidade da Europa de leste, para capturar a essência dos filmes de espionagem dos anos 90.
Misturando claras inspirações nas mais recentes séries BD da Viúva Negra, que já humanizaram imenso a personagem, com diversas liberdades criativas para formar a sua realidade, o filme toma algumas decisões que vão gerar polémica entre os maiores adeptos das BDs, especialmente no que diz respeito a Taskmaster. Este vilão é um elemento incrível no filme. Quando surge, os efeitos sonoros conseguem mesmo tornar a personagem mais imponente, especialmente na forma como criam sempre a sensação de uma ameaça muito mais poderosa do que Natasha, que está constantemente a superar-se para lhe fazer frente e escapar. Acaba por funcionar como uma astuta forma de evidenciar as capacidades da protagonista enquanto lutadora e espiã. No entanto, a origem e quem é Taskmaster vai facilmente dividir as audiências. Apesar de entender o que foi feito, sinto que é um desnecessário cliché que rouba à personagem a possibilidade de conquistar um maior papel dentro do MCU.
Com atores como David Harbour, Rachel Weisz e Florence Pugh, Scarlet Johansson está muito bem acompanhada e acredito que Pugh é um dos melhores elementos do filme. A irmã de Natasha é uma peça instrumental no filme e juntamente com Harbour, o Guardião Vermelho, ajudam-te a descobrir mais do passado de Romanoff e dos problemas que ainda hoje a afligem. Esta exploração do passado de Romanoff serve para aprofundar a personagem e mostrar como conseguiu seguir em frente, apesar dos eventos de Avengers: Endgame nos mostrarem que o seu futuro está imerso em tragédia. No entanto, dá maior profundidade à personagem nesse seu último filme, na ordem cronológica, juntamente com a necessária profundidade para dar maior valor à sua decisão.
Acredito que Viúva Negra é um filme com um tom próximo de "O Soldado do Inverno", com espionagem e ação, mas com os pés bem assentes na terra, o que os tornam muito próprios e diferentes dentro deste mega cósmico Marvel Cinematic Universe. O inesperado foco em temáticas como a família e humanização destas personagens ajuda imenso nisso. No entanto, sinto que é um filme que conquistará muito mais facilmente quem conhece estas personagens das bandas desenhas e menos quem as conheceu pela primeira vez no grande ecrã. É um filme que adorei ver e que me conquistou com a mistura de cenas características dos filmes de super-heróis, com comédia, ação, estilo e ainda espaço para temáticas mais profundas, como destino, inevitabilidade, ciclos viciosos e legados corrosivos.