Wonder Boy: the Dragon's Trap - Análise
Os novos argumentos de um clássico de culto.
Não é por acaso que Wonder Boy 3: the Dragon's Trap, um jogo originalmente lançado pela Sega para a Master System em 1989, foi alvo de remasterização pelo pequeno estúdio francês LizardCube. Wonder Boy foi uma das melhores experiências 8-bit da sua época. Não obstante a equiparação a Metroid, Mega Man ou The Legend of Zelda, Wonder Boy 3 foi um jogo substancialmente à frente do seu tempo, graças à sua estrutura não linear e definição de uma zona central (hub) como ponto de partida para a exploração dos diferentes níveis compostos em torno. O grau de dificuldade está em sintonia com o que então se experimentava, sendo poucas as pistas e forçando o jogador a explorar e tentar descobrir tesouros e áreas novas.
O que torna, por um lado, muito meritório e valioso o trabalho da Lizardcube é a manutenção de todo este apartado, especialmente o grau de dificuldade, o que poderá ser para muitos que joguem pela primeira vez a Wonder Boy uma espécie de sensação de soco no estômago quando derem conta da ausência de linearidade e que as transformações operadas na personagem possibilitam diferentes formas de interacção, algo precioso para ditar o avanço e vencer o "boss" no final do nível.
Igualmente interessante nesta (re)descoberta de Wonder Boy III é encontrar não apenas um jogo de acção e plataformas estritamente linear, como era muito comum à época, mas uma produção que abarca "puzzles", muita exploração e mudanças sucessivas na jogabilidade, através de ferramentas de interacção (as diferentes personagens em que nos transformamos) que de um momento para o outro mudam coisas que até então nos pareciam impossíveis de atingir. O trabalho realizado pela Lizardcube é especialmente notável porque se equipara ao desempenho do estúdio M2, que nos trouxe alguns clássicos arcade Sega para a 3DS e mais recentemente a adaptação HD do clássico das arcadas Battle Garegga.
A cereja no topo do bolo desta produção é a existência de um botão que num só toque opera uma instantânea transição gráfica, mostrando-nos como era o jogo em 1987 e como a equipa o remasterizou em 2017. Tudo isto acompanhado por uma banda sonora feita de novo, assim como novos sons. A limitação no campo gráfico sentida em 1987 não foi de algum modo uma limitação para os produtores e permitiu até reforçar a criatividade na definição da arte, em muitos níveis com interpretações verdadeiramente fabulosas. Isto significa que tanto podemos jogar com os gráficos de antigamente e com a nova banda sonora da época como num instante podemos passar à frente quase 30 anos. Os dois códigos correm em paralelo, torna-se possível transitar entre os dois e isso torna a experiência ainda mais apetecível.
Acredito que a grande maioria dos compradores desta remasterização jogue com o novo grafismo. Toda a artwork é verdadeiramente inspiradora e notável em muitos níveis, com novos pormenores que acrescentam mais valor, num registo de desenho à mão assinalável. Claro que isto deixa-nos a sonhar com outras produções, a imaginar a aplicação da mesma receita noutros jogos 8 e 16 bit, embora seja curioso ressalvar que mais uma vez não é a Sega que opera esta produção mas sim um estúdio ocidental.
Wonder Boy: the Dragon's Trap (caiu o número 3 nesta produção) é um jogo muito bonito, com uma banda sonora deveras aprazível e especialmente com um design que revela como a experiência envelheceu bem ao fim de quase 30 anos, superando muitos jogos de acção e plataformas, especialmente porque nos apresenta um desafio muito sólido que sai igualmente reforçado nesta remasterização.
Os produtores tiveram o cuidado de preservar e aperfeiçoar o material que define o conceito. O jogador começa por controlar o herói mas este é em pouco tempo transformado num réptil capaz de cuspir umas bolas de fogo depois de derrotar o primeiro "boss". De modo a restabelecer novamente a sua composição humana terá que vencer vários "bosses" e assumir diferentes formas enquanto animal. A partir dessas transformações é possível avançar em determinados níveis que até esse momento eram impraticáveis.
Essa é a beleza e o desafio mostrado. Enquanto exploramos podemos obter melhor equipamento, encontrar tesouros e recolher moedas por forma a comprar espadas, escudos e uniformes, que melhoram os dados estatísticos, sendo que estes mercadores encontram-se amiudadas vezes em zonas secretas, oferecendo objectos nucleares (mas caros) para levar de vencida os sempre complicados "bosses".
As primeiras áreas são relativamente fáceis de ultrapassar, mas ao fim de 2 horas de jogo pode ser um pouco mais complicado descobrir para onde ir e o que fazer. Existem pistas e se estiverem atentos conseguem encontrar o caminho, mas terão que jogar sem grande desfasamento sob pena de fugirem memórias cruciais. As habilidades específicas de cada animal funcionam numa primeira instância como sinal identificador do tipo de interacção que desenvolvem. Na forma rato, por exemplo, o herói é capaz de se agarrar a cubos com determinado desenho, o que logo garante acesso a uma área específica.
Felizmente que estes detalhes são facultados sem grandes explicações e instruções. É um jogo à moda antiga, que nos dá o puro prazer imediato da jogabilidade, sem grandes delongas. Existem níveis mais ou menos compridos, mas sobretudo muitas áreas secretas reforçando a exploração, o que torna o desafio mais interessante. Os inimigos assumem múltiplas formas e formam obstáculos por vezes irritantes à nossa passagem. A espada é o nosso maior instrumento de combate mas existem outros items à nossa disposição como o relâmpago, a seta, o boomerangue entre outros como o elixir que nos garante o reabastecimento da vida quando a energia dos corações se esvai.
Pelo meio o nosso grau de saúde melhora e ficamos mais fortes. É uma estrutura que bebe influência dos jogos de role play do final da década de oitenta, aproximando-se até um pouco do sistema de Zelda. A dada altura acedemos a uma área onde conseguimos operar a transformação da personagem mais facilmente e se morrermos voltamos à área central sem perda de moedas e objectos recolhidos, o que é um alívio.
O jogo dá um salto na dificuldade sobretudo depois das 3 horas, quando enfrentam o quarto boss e apercebem-se que o equipamento raro e caro que encontraram algures é crucial a fim de vencerem a batalha. Terão por isso que obter mais dinheiro e isso só se consegue quando repetem níveis mais fáceis, o que implica algum "backtracking". Convém não esquecer o sistema de "password", que pode ser reutilizado e a partir do qual são facultadas algumas dicas.
Wonder Boy: the Dragon's Trap é uma óptima surpresa, não apenas dotada do factor nostalgia mas sobretudo por resultar bem enquanto produto "old school" remasterizado, um trabalho muito significativo e árduo ainda por cima oriundo de um pequeno estúdio constituído por um punhado de produtores.
Como todo está fenomenal. As áreas redesenhadas são convincentes, a nova banda sonora integra-se perfeitamente na nova tela gráfica e o conceito e mecânicas não só foram preservados como expandidos. A editora DotEmu teve a amabilidade de nos facultar um código para análise. Pedimos para a versão Nintendo Switch, que através da sua dimensão portátil funciona como reduto perfeito para a experiência, resultando particularmente brilhante e sedutor o grafismo naquele ecrã
Bom momento por isso para os fãs "old school" mas não só. Dragon's Trap merece ser conhecido pelas novas gerações, num momento especialmente interessante, quando um outro estúdio opera os retoques finais em Monster Boy and the Cursed Kingdom.