Xenoblade Chronicles 3D - Análise
Uma segunda oportunidade.
Não deixa de ser impressionante ver um jogo com a dimensão de Xenoblade Chronicles, desenvolvido para a Nintendo Wii pela Monolith Soft e publicado em 2011, a correr na nova portátil da Nintendo, o modelo New Nintendo 3DS, da qual Xenoblade Chronicles 3D é um jogo exclusivo. Este role play nipónico de dimensões épicas é um dos melhores trabalhos de sempre de Tetsuya Takahashi, um dos criadores da franquia Xeno, com ramificações emblemáticas como Xenogears (PlayStation, 1998), e a trilogia Xenosaga, editada pela Namco-Bandai para a PlayStation 2, marcada pela utilização de títulos de livros escritos por Nietzsche.
Sendo um sucessor espiritual desses marcantes jogos de role play, estilo nipónico, também Xenoblade Chronicles acabou por se distinguir facilmente dos anteriores, apresentando novos argumentos para se impor como um dos melhores, senão o melhor jrpg da geração anterior de plataformas. Poucos anos passaram desde a estrondosa aventura de Shulk e companhia nesse desmesurado mundo aberto, criado após o combate eterno entre Bionis e Mechonis, dois guerreiros titãs de dimensões quase planetárias.
Atendendo à dimensão avassaladora do jogo, percebe-se porque é um exclusivo da New Nintendo 3DS. O superior chip gráfico da consola, por comparação com o modelo tradicional da 3DS, dá melhores garantias de estabilidade do jogo, em termos de fluidez, frame rate e tratamento gráfico, mesmo que a adaptação tenha sido conseguida à custa de uma clara diminuição da resolução gráfica. Comparando as duas versões do jogo, lado a lado, a versão para a New 3DS é bem mais pixelizada. Nota-se ausência de texturas, as cores são mais uniformes e a suavização é pouco notória. Aspectos que acabaram crucificados de modo a manter os elementos centrais da experiência, tal como a mesma pode ser apreciada na plataforma doméstica.
No fundo, apesar da perda de qualidade em termos visuais, o jogo está todo lá, imediatamente reconhecido e avalizado por quem o jogou há três anos e meio. As outras diferenças, para lá do aspecto visual e obviamente do ecrã mais pequeno, contemplam o acrescento do efeito 3D estável, contribuindo com uma maior sensação de profundidade, ainda que numa vertente cosmética e sem nenhuma interferência nas mecânicas do jogo, e na utilização do segundo botão analógico, agora configurado como c-stick. Relembro que, apesar da compatibilidade do original com o wii remote e nunchuk, Xenoblade Chronicles foi lançado em "bundle"com o comando clássico, oferecendo uma óptima posição de acesso aos botões.
Nesta versão 3D, o c-stick desempenha bem a função mas não é um botão analógico e muitas vezes acabamos por imprimir demasiado contacto afastando a perspectiva de jogo para posições menos interessantes, como apontar para o cimo personagens ou o inverso. Como as batalhas decorrem em campo aberto e em tempo real, a manobra da perspectiva é essencial, especialmente quando pretendemos alvejar uma parte lateral ou a zona posterior de um inimigo de média e pequena dimensão, pelo que o posicionamento é fundamental, senão vital, para o sucesso da batalha. Sinto que por vezes ocorre algum conflito com o "c-stick" mas nada que não seja superável com hábito e persistência.
No que toca à estrutura interior do jogo, a construção narrativa, mecânicas, personagens e áreas de jogo, nada foi alterado. Desenvolver novos elementos seria porventura arriscado, se não considerarmos já um risco a própria existência deste jogo. Apesar do sucesso esmagador da Wii e do seu ciclo final em 2011, a verdade é que Xenoblade Chronicles não vendeu milhões. Talvez a exclusividade terá pesado na hora da verdade para muitos jogadores e aquela audiência "core" da Wii, dos jogos acessíveis e em movimento, não nutria grande interesse pela obra de Takahashi.
O que é facto é que na New 3DS, com uma base de jogadores mais "hardcore" e como exclusivo em formato portátil, talvez o jogo possa ir um pouco mais longe do que a versão doméstica, mesmo não sendo exacto que algumas novidades dentro do jogo impusessem uma maior persuasão. O ecrã de início, no posicionamento táctil, mostra-nos algumas alterações como a presença do manual, embora as informações ao longo dos momentos cruciais do jogo sejam muito claras e abundantes, especialmente sobre como operar em diferentes contextos e sobre o significado concreto de cada item, poder, etc, deixando o jogador na posse de todas as informações relevantes. A opção colecção funciona sobretudo como uma via de acesso aos fãs, com as músicas do jogo que tão boa impressão deixaram, as personagens em modo exibição e uma série de modelos passíveis de aquisição através de "tokens", a moeda da consola. Poderão até activar o StreetPass e recolher mais tokens. A compatibilidade com a Amiibo Shulk está lá, mas se souberem onde encontrar uma, desde que não em sites de leilões e por 100 euros, agradecemos.
Quanto ao jogo propriamente dito, o maior destaque vai para a grande variedade de cenários, numa escala verdadeiramente planetária, para o seu sistema de exploração vertical, muito conectado à realização de eventos a determinadas horas do dia (o jogo tem um sistema de passagem do tempo) e para a vertente de exploração tão ou mais importante que o combate. Há poucos momentos tão fantásticos vividos num role play de acção e exploração como a entrada na Gaur Plain, uma planície verdejante com zonas montanhosas ao fundo, compostas por arcos, alguns de grande elevação, com hipótese de deslocação até lá.
A dimensão de Bionis e Mechonis é de tal forma avassaladora, que logo reduz os humanos ao tamanho quase microscópico. A vida que emanou após o combate eterno entre os dois titãs é semelhante à vida existente no planeta terra. Só ao avançarmos na narrativa compreendemos a geografia de Bionis, desde o joelho, ao torso, passando pelo seu interior mecânico, enquanto que em muitos exteriores podemos contemplar Mechonis, quase como quem observa o satélite natural do nosso planeta. Infindáveis criaturas habitam aquele mundo, algumas mais hostis que outras, mais gigantescas que outras, mais horrendas que outras. A livre exploração recompensa o jogadores com melhores itens e recursos imprescindíveis para a aquisição de melhor equipamento. Quase tudo está em missões secundárias, muitas delas só realizáveis a determinada hora do dia, resultando daqui um bom aproveitamento no que toca à passagem do tempo, com efeitos de luminosidade diversos e impressionantes. Revistos na New 3DS, continuam a deixar boas impressões.
Xenoblade Chronicles está arvorado de abundantes cut-scenes, procurando enfatizar ao máximo os acontecimentos que precipitaram Shulk e seus camaradas para uma jornada também ela épica, numa oposição entre homem e máquina. Felizmente, o jogo revela o equilíbrio típico dos melhores jrpg's, conjugando os diferentes momentos com sabedoria. A direcção de Tetsuya Takahashi é familiar para os fãs mais hardcore deste género, principalmente se jogaram Xenogears e mergulharam naquele traço animé bem realizado. Os momentos de intensidade e maior carga dramática estão lá, como o desaparecimento abrupto de uma personagem à qual nos encontrávamos acostumados, às mãos das máquinas de guerra de "mechonis", os antagonistas desta narrativa. Shulk e os seus parceiros de combate têm pela frente a jornada das suas vidas, tendo o primeiro a Monado, uma espada de poderes especiais, dotada de uma particularidade: a revelação de acontecimentos futuros por quem a maneja.
Xenoblade Chronicles é um jogo longo, uma aventura que facilmente ultrapassa as 60 horas, especialmente se atentarem nas missões secundárias. Também tem os seus momentos de "grind" O sistema de combate, assenta nos combates em tempo real, sem constrangimentos ou limitações na movimentação ao redor das criaturas que aceitamos enfrentar ou que nos atacam pela nossa passagem. Nada de combates aleatórios. Estas criaturas simplesmente encontram-se no seu "habitat" pelo que ao caminharmos na sua direcção temos mais hipóteses de as provocar.
A transição é rápida, acompanhada imediatamente por um dos temas musicais mais emblemáticos da série. Aqui controlam apenas um dos três elementos da equipa. Normalmente, Shulk é o herói de serviço, mas a qualquer instante podemos passar a comandar qualquer um dos seus camaradas de campanha. Os ataques podem ser praticados de forma semi-automática através das Arts, tendo como ponto decisivo a zona de ataque na criatura. Alguns ataques são mais produtivos na sua lateral ou zona posterior. A aplicação de ataques individuais bem conseguidos pode proporcionar ataques conjuntos, mais poderosos, desde que sejam activados no tempo correcto, quase em forma de eventos rápidos. Por vezes é necessário esperar por um carregamento do ataque, mas depois de um bom desenvolvimento da árvore de Arts da personagem, uma grande variedade de ataques fica à nossa disposição.
O sistema apresenta algumas semelhanças com os tradicionais mmorpg, ainda que desta vez os nossos colegas sejam controlados pela inteligência artificial, pelo que é imperativo atender ao seu estado de saúde e desenvolvimento, sob pena de sermos surpreendidos. Porém, a equipa de desenvolvimento conseguiu incluir alguns "twists" num modelo de jogabilidade que doutra forma seria simples. Em primeiro lugar o sistema de afinidade entre as personagens contribui para fortalecer e proporcionar novos ataques em conjunto, como acontece com uma verdadeira equipa. Por outro lado, os colegas apresentam diferentes Arts e tipos de ataque pelo que ao assumirmos o comando de uma outra personagem dispomos de diferentes opções, ainda que sujeitas às mesmas regras.
Nalgumas batalhas teremos que enfrentar criaturas de grandes dimensões. É aqui que a frame rate mais se condói, com algumas quebras, inevitáveis quando acontece uma maior conjugação de ataques. O alerta da Monado para uma fatalidade de um inimigo permite-nos antecipar a jogada e mudar de estratégia. A introdução do mapa oferece um ponto de vista óptimo sobre os pontos percorridos, não sendo sempre claro sobre a verticalidade dos espaços. O sistema de gravação manual é uma bênção e ainda existem inúmeros pontos que nos oferecem uma recuperação automática caso sejamos derrotados por uma criatura mais à frente. A atribuição de pontos de experiência pela descoberta de novas áreas contribui para o fortalecimento da "party".
Do ponto de vista narrativo e da empatia das personagens, Xenoblade Chronicles seria apenas mais um jrpg que dificilmente se distinguiria de outros jogos do mesmo formato. Mas a verticalidade do mundo gigantesco com que somos brindados logo ao começo, conjugada com um sistema de combate livre e abundante em opções, e uma orientação forte para a exploração e missões secundárias, fazem deste um jogo imprescindível e cujos méritos só não são mais reconhecidos por ter permanecido como exclusivo de uma plataforma, não logrando o sucesso em vendas que os seus produtores almejavam. Talvez muitos dos potenciais interessados no jogo vejam em Xenoblade Chronicles 3D a hipótese que faltava, mesmo sendo um exclusivo New 3DS.