Yakuza 3
Kazuma regressa ao lado sombrio de Tóquio.
Yakuza 3, embora tenha um acento tónico na vertente RPG sobretudo à medida que Kazuma ganha respeito e adquire novos poderes, devastadores e essenciais para levar de vencida chefes de clãs rivais, uma boa porção do jogo transpira por livre exploração dentro das urbes de Kamurocho e a baixa de Okinawa, sendo estes os grandes aglomerados onde se concentram as diversões graças aos mini-jogos, que lá iremos em breve. Em permanente circulação nestes espaços abrem-se ainda combates com pequenas quadrilhas de rufias que alegam os punhos em riste como forma de obter algum dinheiro para ir ao restaurante, cabaret ou encontros com senhoras. Outras solicitações levam Kazuma a participar em missões alternativas, algumas arriscadas e conexas com o argumento como aquela que vos leva a restabelecer o funcionamento do castelo que em última instância é um espaço de reabilitação para ex-chefes que pretendem recuperar a vida normal. Comer nos restaurantes para recuperar o indicador de saúde e encontrar diversões nos espaços entre as missões obrigatórias para a progressão colmatam um sentido de escape, naquelas alturas de passeio pela urbe.
Porém, na directa comparação com outras obras como GTA4, são manifestas as limitações em termos de área disponível para percorrer. Desde logo a estrutura entre missões, a parte principal, é mais linear, mas nem por isso se torna num ponto prejudicial, pois assim se evita que o jogador circule perdido e a esbanjar tempo à procura dos objectivos, quando o que quer fazer é ir ao local previsto e dar uma valente sova numa cambada de crápulas. No entanto em termos de dimensão de área a percorrer e de interacção Yakuza 3 não é capaz de rivalizar ombro a ombro com a obra da Rockstar. Não podem conduzir automóveis, nem há animação nas vias de comunicação entre os locais por onde são obrigados a viajar. Ainda que haja um grande número de estabelecimentos nos quais podem entrar, outros permanecem encerrados.
A zona onde está instalado o orfanato é a secção mais estreita, limitada aos arredores do orfanato, com ruas em terra batida e uma praia paradisíaca para desfrutar. Já a baixa de Okinawa e Kamurocho constituem os maiores centros urbanos, plenos de movimentação, circulação de automóveis, tudo muito pormenorizado ao ponto de inculcar uma verdadeira definição das cidades japonesas, especialmente com as lojas de vários géneros, nomeadamente as míticas Don Quixote, entre outras feiras numa zona arcade. Nem todas são passíveis de interacção ou aquisição de produtos essenciais, sendo um dos aspectos mais relevantes a forma como os programadores conseguiram captar uma atmosfera e arquitectura bem próprias das urbes no Japão.
Outra das principais atracções de Yakuza 3 é a abundância de espaços para divertimento. Mais à frente no argumento Kazuma terá a companhia de Haruka Sawamura, um tenente de um clã de Okinawa que lhe presta honras de “boss” e que desafia o herói para desfrutar um pouco da cidade, comendo bem antes de passarem à seguinte missao. O clube Sega é incontornável, desde logo pela fachada, se quiserem despender algum tempo tentando obter prémios na máquina de Ufo catcher ou chegar ao fim do shooter Boxcellius. Infelizmente as máquinas de Virtua Fighter espalhadas pelo estabelecimento não estão disponíveis para umas partidas rápidas. As diversões funcionam como escape à progressão da aventura e sempre merece algum investimento as sessões de Karaoke e basebol. Nem todos os mini-jogos foram transpostos da versão oriental já que a Sega considerou que alguns deles não encaixam no âmbito cultural dos europeus e americanos.
O grosso da aventura é constituído por 12 capítulos envolvendo cada um uma quantidade variável de objectivos e missões. As principais demandas ficam concluídas assim que derrotarem o chefe do final de nível, quase sempre um lutador de qualidades comprovadas e que vos obrigará a trabalhar com rigor o sistema ofensivo e defensivo de Kazuma, se quiser sair vencedor. À semelhança dos episódios anteriores, Yakuza 3 volta a reunir tropas nos confrontos corporais. Desta vez, porém, o processo de iniciação do combate é deveras lesto e parte-se para um combate sem passar por uma fase prévia de ecrã de carregamento, o que garante desde logo mais agilidade.
O combate premeia a obtenção de permanentes combinações, fechadas com golpes severos, nomeadamente pontapés e murros de visível dureza. Continua a ser possível recolher elementos espalhados pela arena de combate como cadeiras, bicicletas, mesas, sinais de trânsito, para desancar nos adversários e quão maior for o fulgor e energia com que desbravam os lutadores oponentes, melhor será a estocada especial realizada sob a forma de combinação de botões pressionados em pouco tempo (à semelhança dos QTE’s).
Nesta altura vemos como Kazuma é realmente um verdadeiro “bad ass” capaz de deixar qualquer adversário prostrado no solo. Os combates garantem pontos de experiência que podem, a qualquer altura, ser trocados por novos golpes, num sistema de progressão da personagem muito equivalente à generalidade dos jogos de role-play. Na arena Kazuma manobra-se com ligeireza e de forma sólida, competente, mas se no começo se propõe para entrar ao ataque desenfreado, não tardará até que terão de conciliar com pontos defensivos, nomeadamente evadir, flanquear e contra-atacar com destreza para levar de vencida alguns oponentes com barras de energia praticamente inesgotáveis. A utilização de armas brancas junta-se à lista de objectos passíveis a deflagrar. Muito do charme e apelo de Yakuza 3 está claramente aqui, aproximando-o das grandes memórias de actuais “brawlers” e até outros épicos como Streets of Rage, Golden Axe, ambos referências da própria casa mãe produtora da obra, a Sega. Apontamento igualmente feliz para os acordes de guitarradas que acompanham os combates.
Bem esmiuçado, ou seja aproveitando aquilo que Yakuza 3 pode oferecer em progressão individual, campanhas acessórias, objectivos, mini-jogos, terão jogo para várias dezenas de horas. Se apostarem unicamente em concluir a aventura principal de Kazuma terão sempre entre dez a vinte horas consoante a rapidez com que se desembaraçam. Por outro lado Yakuza 3 é um jogo muito peculiar. Trata-se da primeira aposta da série para a nova geração de consolas e a comprová-lo está desde logo todo o trabalho de caracterização e produção em torno das personagens. O argumento empurra para a progressão permanente, numa série de reviravoltas e inesperados que sucedem e sobre o qual Kazuma se movimenta de forma progressiva mas sempre fiel aos seus princípios, actuando em conformidade para com os que lhe merecem confiança e impiedosamente para com os rivais e detractores. Porém, não obstante chegar à Europa como uma grande produção, a verdade é que Yakuza 3 também espelha visíveis limitações, desde logo a escassa dimensão dos cenários e uma justaposição de missões relativamente similares. Depois da dimensão já vista em obras mais ou menos recentes da Rockstar é indiscutível que Yakuza 3 ainda está uns furos abaixo, mesmo que toque com sucesso no argumento sobre a máfia japonesa a partir de Kazuma, uma personagem plena de carisma como Nico Bellic, Ryo Hazuki, entre outras. Podem estar conscientes; a Sega ainda sabe fazer bons jogos e nesta altura as cogitações sobre Shenmue bem que se podem resumir ao baú de memórias da Dreamcast.