Yakuza: Like a Dragon - Review - Uma nova geração de heróis
A demanda do dragão.
Após quinze anos de desenvolvimentos, a série Yakuza entra num novo ciclo. Yakuza: Like a Dragon é uma espécie de base para o futuro, um sustentáculo para a continuidade da série. Com este capítulo no arco narrativo da máfia japonesa, abre-se uma porta a um novo protagonista, mas não só. Os fãs chegaram a recear pelo anúncio de mudanças, não apenas no plano da personagem central, mas nas mecânicas, desde logo ao transitar de combates em tempo real ao bom estilo "beat'em up" para um sistema de turnos próximo do estilo role play, com formação de uma equipa. Mas hoje podemos assegurar que resultaram as mudanças implementadas no sistema de combate e até na personagem, Ichiban Kasuga. Temos por isso um jogo de certo modo diferente, que se jogará a um ritmo mais pausado e táctico, com elementos estratégicos. No entanto, salvaguardou-se o espírito e a identidade da série e até se fortaleceu o arco narrativo.
Foram quinze anos em que nos habituamos a jogar na pele de Kazuma Kiryu, pelas ruas de Kamurocho, o difícil bairro vermelho de Tokyo. Uma história que deambulou por diferentes momentos da vida deste mafioso de poucas palavras mas de enorme sagacidade e coração grande. Esse hábito ainda nos reduz à surpresa quando, ao longo das primeiras horas deste Like a Dragon, cumprimos as primeiras missões com uma nova personagem, um outro arco narrativo e entramos em combates por turnos como se estivéssemos a jogar um título de role play. São muitas surpresas e mudanças para constatar ao longo das primeiras horas, mas a assimilação das mudanças é rápida e depressa nos adaptamos ao estilo de combate.
Pese embora a imersão de mundos abertos como GTA, Assasin's Creed, Zelda e Red Dead Redemption, a série Yakuza sempre ocupou um lugar especial. Desde logo por pegar em boa parte do legado espiritual de muitas séries por que os estúdios da Sega se notabilizaram ao longo de décadas, cruzando isso com a máfia japonesa, o ponto diferenciado e de composição cinematográfica através das longas cut-scenes e rostos renderizados, que de algum modo também permitiu a Yakuza sair do Japão e internacionalizar-se, ainda que com êxito por vezes moderado, ao ponto de só muito recentemente serem reeditados por cá jogos lançados no Japão há mais tempo.
E é justo referir que mesmo sem contar com orçamentos equiparáveis a outros populares jogos de mundos abertos, o estúdio Ryu Ga Gotoku atingiu nesta pretérita década e meia um constante desempenho de qualidade, mesmo com oscilações nos diferentes jogos da série e a tal manutenção da fórmula que em momentos produziu uma estagnação. Não tem a dimensão esmagadora de outros jogos em mundo aberto, mas mesmo mais pequeno oferece um mundo e um acervo de missões principais e secundárias que nos levam ao consumo do jogo como se de uma série com mais de uma temporada se tratasse. Vemos Ichiban crescer, vêmo-lo recluso e novamente em liberdade para se refazer como membro capaz de guardar fidelidade ao chefe que o acolheu e vingar-se sobre quem o tramou.
A índole humorística de um novo protagonista
Sem ferir de grande modo a análise com spoilers para não estragar a surpresa de quem possa pegar num Yakuza pela primeira vez, a primeira parte do jogo mostra-nos a origem de Ichiban. Uma personagem órfã e também com algumas arestas que nos lembram Kiryu, nomeadamente no imenso dragão tatuado nas costas. Viril e pujante, desempenha uma performance em combate que depressa o destaca nos "rankings" e o faz pular nos serviços da família Yakuza por que é acolhido. Porém, e ao contrário de Kiryu, a sua natureza expansiva e a constante produção de tiradas humorísticas deixam alguns capitães à beira de um esgotamento, não sabendo se o mesmo está simplesmente a caricaturar algumas cenas ou a agir com leviandade.
Os primeiros acontecimentos têm lugar após a viragem do milénio e no seu término conduzirão Ichiban à cadeia, onde o mesmo cumprirá um castigo de dezoito anos, num acto demonstrativo de fidelidade à sua organização criminosa, especialmente por não ter sido responsável pelo crime do qual fora condenado. Posto em liberdade, inicia a sua actividade realizando tarefas, os vulgares empregos destinados a quem começa por baixo. Estas tarefas permitem a Ichiban estreitar relações com outras personagens que vai conhecendo aqui e acolá, em diferentes momentos, na grande Yokohama. E tanto podem constituir missões secundárias como principais. O resultado disto é que fortalecerá as ligações, contando com outras personagens para a sua party, que ao bom estilo role play, actuarão ao seu lado nos combates contra os bosses e quando assim for preciso.
Mas a valentia de Ichiban nem sempre é compensada pela veterania e sangue frio de um Kazuma Kiryu. A sua ingenuidade, talvez pela tenra idade, levá-lo-á a situações complicadas, mas os seus companheiros, próximos e com histórias de vida conturbadas, estarão lá para o ajudar a superar os desafios, como cimento capaz de colmatar as falhas. E a partir daqui a narrativa vai ganhando uma ênfase maior na camaradagem, em como essa evolução dita um desfecho prático ao nível da jogabilidade, estabelecendo-se nas tais alterações que mudam por completo a estrutura e o tipo de combates. Relegado para Isezaki Ijincho, uma espécie de "red light district" de Yokohama, onde abundam as casas de alterne, os rúfias enchem as ruas, as casas de apostas e jogo ilícito abundam e o dinheiro corre na sarjeta, assim decorre grande parte do jogo. É lá que irá encontrar Adachi, Nanba e Saeko, as tais personagens com origens diversas, unidos por um acaso do destino, mas fazendo uma equipa que os levará longe numa trama que se tece a lume brando, embora pejada de momentos dramáticos, ao bom estilo Yakuza.
Do beat em up ao role play
Ijincho é um bairro que nos traz à memória Kamurocho. Há muitas semelhanças, embora Yokohama seja uma cidade portuária com pontos de interesse relevantes. Porém e à noite, as semelhanças são grandes com o bairro onde vimos crescer Kazuma Kiryu ao ponto de mais parecer uma fiel reprodução. Porém, e como as cut-scenes mais uma vez abundam neste território, temos constantemente aqueles longos segmentos narrativos. Podemos deixar o comando sossegado entre as pernas e contemplar mais uma sequência da história de braços estendidos.
Estes segmentos são essenciais no compromisso da equipa, juntos nos combates que se sucedem em larga escala e aptos à maior alteração implementada na série desde a sua criação. Confesso que ao princípio senti que o sistema por turnos cortava com o ritmo rápido e constante da acção. No entanto, após a activação dos golpes vemos os personagens desferirem potentes golpes e danos nos rivais, através de ângulos altamente cinematográficos e sob uma sonoridade empolgante. Dada a natureza estratégica e o ritmo lento, nem por isso se esvazia o espírito da altercação e da severa pancadaria, ainda que haja alguns momentos estranhos. Estes consistem, ainda que não regularmente, em barras de vida dos adversários enormes, que levam eternidades a esgotar, até aos adversários corpulentos que acabam por falhar os golpes escandalosamente.
Nos jogos anteriores já existia uma leve componente de role play, precisamente na evolução da personagem e desbloqueio dos golpes e habilidades. Mas agora assistimos a uma total deriva para o role play, com level ups, equipamento partilhado, apoio dos elementos da equipa. Cada personagem joga um movimento na sua vez, e este pode consistir num golpe normal, num movimento especial, aplicar uma defesa ou escolher um objecto da lista. É interessante verificar como os membros da party podem ser aproveitados numa finalidade ou numa especialidade que possa surtir mais efeito que o simples ataque. Esta vertente estratégica está mais uma vez bem definida. É uma ruptura completa com o que foi até aqui a série, mas nem por isso se derrama no chão o líquido precioso. Podemos fortalecer os golpes em QTE's e até usar elementos do cenário a fim aplicar mais dano, tal como acontecia anteriormente. O problema que disse atrás e mantenho após esta excursão é precisamente o desequilíbrio patente nalgumas batalhas.
A identificação do protagonista Ichiban com os videojogos é ilustrada na forma das indumentárias dos membros da party, imaginadas a partir do videojogo Dragon Quest, do qual Kasuga é fã desde criança. Enfim, não se pode dizer que estejamos diante de um sistema de combate capaz de roubar as luzes da ribalta a um Persona 5, mas que de um modo geral a implementação é bem sucedida e divertida, ainda que surpreenda os fãs, isso é inquestionável. Há arestas que podem ser limadas e tinha preferido ver libertada mais alguma acção, mas a transição implementada é bem sucedida. Desde "dungeons" à colocação de inimigos bestais e quase paródia de algumas séries, agudiza-se o registo do bom humor, como que a aliviar dos momentos de tensão e de maior dramatismo dos confrontos entre os clãs.
Um sem número de missões secundárias
Numa cidade portuária tão grande como Yokohama, um distrito é suficiente para nos perder. Não se pode dizer que seja uma área de jogo gigantesca, mas o resultado desta localização traz consigo um conjunto de missões secundárias e actividades que alargam com abundância o tempo de jogo. É uma forma de Ichiban Kasuga auxiliar muitas pessoas que encontra ao longo do seu caminho. Há um regresso a Kamurocho e uma nova passagem por Sotenbori, mas apenas a título temporário. É em Yokohama que decorre a maior tempo de jogo. É importante a participação nestas missões e nos trabalhos disponíveis após a saída da prisão. Em grande parte deles iremos desenvolver diferentes aspectos da personalidade de Kasuga, podendo distribuir pontos por categorias como carisma, confiança e intelecto. No fundo pode ser moldado como um "soldado" honesto e cheio de boas atitudes ou simplesmente um "bad ass". O role play prossegue também nestes meandros de definição da personalidade.
Tendo em conta a grande dimensão deste distrito, as deslocações de taxi são inevitáveis quando queremos encurtar espaços e até evitar encontros aleatórios sempre que largamos a correr pelas ruas. No que respeita a actividades como karaoke e Clube Sega, com as antigas arcadas onde podemos jogar títulos originais como Hang-On, Out Run e Virtua Fighter 5, mais uma vez temos os estabelecimentos abertos. Mas desta vez há novidades, das quais destacam-se as corridas de karts, o que vem uma vez mais mostrar a habilidade dos produtores em tornar reais diferentes modelos de jogo. Vários domínios podem ser explorados e até do ponto de vista empresarial é possível alocar investimentos no âmbito do imobiliário.
Do ponto de vista gráfico, não há uma grande evolução face ao que vimos em Yakuza 6. Like a Dragon faz uso do mesmo motor gráfico, o Dragon Engine, capaz de resultados interessantes do ponto de vista da modelação dos rostos e dos movimentos das personagens, com boas texturas e bom tratamento ao nível da luz e sombras, produzindo um efeito altamente realista e convincente nas cut-scenes. Claro que a optimização para as novas consolas (Xbox Series X e PlayStation 5) produz melhores resultados ao nível da cadência de fotogramas e dos loadings. Em consolas como a Xbox One denota-se por vezes um arrastamento da imagem nas transições e os loadings são por vezes significativos.
Yakuza: Like a Dragon é uma óptima surpresa pela forma como os produtores implementaram mudanças arriscadas, trocando grande parte da base que sempre significou imenso para os fãs por um sistema de role play bastante capaz, ao mesmo tempo que assegurou o futuro da série através de uma nova personagem central, novo arco narrativo e localização. Além disso, o espírito e a identidade da série foram preservados e até ampliados neste capítulo do qual emerge Ichiban Kasuga. Com ele sobem ao palco um conjunto de personagens secundários convincentes, numa narrativa que não deixa de tocar no tom dramático dos dias turbulentos da máfia japonesa, enquanto que não olvida momentos descontraídos e humorísticos num sem número de missões secundárias. Sendo verdade que alguns elementos do jogo podiam ser melhorados, nem sempre havendo o desejável equilíbrio ou a criatividade de mecânicas de role play de um Persona 5, Like a Dragon é um Yakuza fervilhante, que não desaponta e nos deixa satisfeitos por esta entrega revigorada.
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