Citizen Zelda: Um modelo de referência 2ª Parte
Um modelo de referência.
À excepção talvez da série Super Mario, é difícil imaginar um videojogo com um conjunto de sons tão icónicos como aqueles criados por Koji Kondõ para os jogos The Legend of Zelda, desde os sons dos ataques até ao conhecido som quando desvendamos um novo tesouro, estes ajudam a identificar e contextualizar Link na aventura, mas também a série como um todo. No entanto, no caso de Ocarina of Time, a música não se apresenta apenas como pano de fundo para o desenrolar do jogo, ela tem um papel fulcral no gameplay. Isto apesar de não ser inovador é muito pouco comum em videojogos de temas não musicais. Durante grande parte do jogo Link carrega consigo uma ocarina, o instrumento musical que dá nome ao jogo. Através de seis notas diferentes é possível criar melodias que são fundamentais para a progressão na história, resolver puzzles, invocar objectos, voltar para áreas previamente visitadas, e até mesmo viajar no tempo, aprendemos doze melodias diferentes ao longo do jogo.
O tempo é um aspecto central em Ocarina of Time, a história desenrola-se em duas épocas distintas, uma delas com Link criança, e uma outra na adolescência sete anos no futuro, construindo uma narrativa de duplo enredo muito usada no cinema e literatura. As acções realizadas no passado tem consequências directas no futuro, algumas habilidades de Link são diferentes nas duas épocas e requerem um trabalho de cooperação entre o herói do presente, e o do futuro. Este sistema voltou a ser utilizado mais tarde em The Legend of Zelda: Twilight Princess, onde alternamos entre um mundo real onde controlamos Link, e o mundo twilight onde controlamos o nosso herói transformado em lobo.
Estes sistemas funcionam como uma "gameplay chain" (Sivak, 2009), uma série de mecânicas interligadas que necessitam ser efectuadas numa determinada ordem, para obter determinado resultado. Por exemplo existem portas que Link tem que abrir voltando ao passado para ter acesso a elas enquanto adolescente. São várias mecânicas de gameplay conectadas, que criam uma enorme e complexa estrutura que se torna mais interessante que as mecânicas por si só. A sensação de estar envolvido nestas "gameplay chains", ajuda a iniciar no jogador aquilo que Csikszentmihalyi (1990) denomina de flow, que significa o estado de completa concentração e absorção numa actividade ao ponto de ficar completamente imergido no que se está a fazer. Grande parte do sucesso de Ocarina of Time, e o porquê de ele estar ainda bem vivo na memória dos jogadores, pode ser esta sensação de imersão, de embebimento no duplo enredo narrativo. O conceito de imersão pode ser definido como "a sensação de fazer parte e estar rodeado de uma realidade completamente diferente... que toma toda a nossa atenção e percepção" (Murray, 1997). Podemos dizer que um videojogo será tão ou mais interessante quanto maior for a sua capacidade de fazer imergir o jogador na história e nos desafios propostos.
A Nintendo conseguiu que as mecânicas do gameplay não quebrassem o sentimento de imersão no jogador ao longo da aventura, e ao invés disso o jogador se sentisse cada vez mais imergido à medida que avança na "gameplay chain", onde realmente se decide a história do herói, e se personifica o herói ao ponto de perder a noção de tempo e assim obter a tão desejada gratificação. McMahan (2003) definiu três condições para que um videojogo possa criar uma sensação de imersão. As convenções do jogo devem ir de encontro às expectativas do jogador, deve existir sentido nas acções e desafios propostos, e o mundo de jogo deve ser consistente. Estas três condições são cumpridas em OoT, contudo, importa aprofundar o aspecto das convenções do jogo e o desafio que estas apresentam. Pegando novamente no conceito de flow, é necessário que exista um equilíbrio entre a dificuldade do desafio proposto, e as competências do jogador (Csikszentmihalyi, 1990).
O obstáculo não deve ser demasiado difícil ao ponto de se tornar frustrante, mas deve apresentar um desafio que obrigue a que o jogador se mantenha sempre alerta e nunca perca a motivação. Toda a simplicidade dos mais importantes aspectos do gameplay em OoT poderá transmitir a ideia que se trata de um videojogo fácil. Embora seja sempre um conceito relativo, de facto a história principal não é difícil, isto não significa que para ser divertido um jogo tenha que ser muito exigente, mas precisa sim, de transmitir desafios de dificuldade adequada para o tipo de jogo em causa. OoT proporciona ao jogador a interacção com vários tipos de mecânicas dentro do "gameplay", se não estamos a eliminar monstros, ou a decifrar puzzles, a explorar masmorras ou a coleccionar medalhões, estamos a percorrer os campos em corridas de cavalo, ou em torneios de arco e flecha ou mesmo a procurar galinhas fugitivas, ou ainda a praticar as nossas melodias na ocarina.