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Dragon Quest VI

A grande travessia até ao ocidente.

A Nintendo 3DS chegou ao mercado em Março, mas nem por isso a Nintendo DS perdeu validade e a prova disso é que continuam a ser editadas propostas muito interessantes, como sucede agora com a chegada de Dragon Quest VI: Realms os Reverie. Claro que os jogos DS são compatíveis com a 3DS e ainda que sendo executados na recém-chegada portátil não beneficiem do ecrã wide superior, há uma substancial melhoria em termos de colorido, o que pode ser um factor de alguma conveniência. De resto, se ainda não optaram por transitar para a 3DS têm assim mais um motivo para manterem por perto a DS enquanto aguardam pela nova fornada de jogos para a consola que traz 3D por defeito sem necessidade de óculos especiais.

Mas o cerne desta crítica é Dragon Quest VI: Realms of Reverie, o clássico da Square Enix que chega quinze anos depois da sua edição original e exclusiva para o mercado nipónico. Lançado para a Super Famicom em 1995 e numa mudança de rumo em termos de produtora (coube à Heartbeat), Dragon Quest VI marcou uma fase dentro da tramitação da série, que é uma das mais emblemáticas dentro do género role-play de travo nipónico, muito popular diante dos japoneses, factor que leva normalmente a colocar um novo Dragon Quest no mercado ao Sábado (fugindo assim às tradicionais quartas-feiras) para evitar faltas injustificadas ao trabalho e dores de cabeça para os patrões.

É notável a forma como Dragon Quest partilha uma transversalidade de audiência; desde gente nova, entusiasmada pelas recentes produções (DQ VIII – PS2 e agora DQ IX – DS) a utilizadores adultos que se mantém fiéis à série que começaram a descobrir em meados dos anos oitenta. É verdade que muito interesse partilhado pelos fãs e amantes do género em todo o mundo ficou vedado e circunscrito durante muitos anos ao mercado nipónico. Com excepção de DQ IV, os jogos da série estavam restritos ao Japão e só com Dragon Quest VIII se assistiu à primeira edição de um episódio da série nos principais continentes, apesar do desfasamento temporal por força da localização.

Com o acordo firmado entre a Square Enix e a Nintendo para desenvolver DQ IX e X exclusivamente para a Nintendo DS e Nintendo Wii (respectivamente), a Nintendo conseguiu um acordo com a Square Enix para recuperar os jogos IV, V e VI da série, que até 2008 se mantiveram confinados ao território japonês. Graças a esta concessão por parte da produtora, jogadores europeus e norte-americanos podem assim experimentar clássicos devidamente recuperados e masterizados exclusivamente para a Nintendo DS, não sendo mais necessário recorrer a importações de cartuchos, adaptadores e consolas Super Famicom para viver uma boa parte do passado desta série tão fascinante que é Dragon Quest.

DQ VI é o último da tríade editada para a Nintendo DS. Enquanto que DQ IV e V foram publicados no nosso território e no continente americano por intermédio da Square Enix, coube desta vez à Nintendo editar o jogo, o que para a Nintendo Ibérica, em especial a Nintendo Portugal é uma mais valia, podendo os interessados no jogo encontrá-lo com mais facilidade nas lojas da especialidade. Quinze anos é tempo e foi na linha de meta que não chegou a tempo para a avó norte-americana Edith Jeter que em 1996, do alto dos seus 76 anos de idade, escreveu à revista Nintendo Power – a respeito do encerramento da Enix americana – pedindo para que alguém fizesse algo pelo lançamento do jogo no seu país. Edith foi levada pela ceifeira aos 91, a 3 de Janeiro último.

Com o trabalho de recuperação e desenvolvimento entregue à ArtePiazza, DQ VI está particularmente melhorado em termos de colorido, exibindo um aspecto bem mais atraente e estimulante, embora permaneça como clássico, ligado às fundações e estrutura do original. Esperava-se no entanto mais alguma concessão às valências da DS. A existência de alguns mini-jogos onde conduzimos as tão características personagens denominadas Slime com recurso ao ecrã táctil deixa um pequeno amargo de boca. Sobretudo pela impossibilidade de utilizarmos a "stylus" para orientar as personagens, seleccionar no quadro de opções, entre outros atributos que tiveram particular ganho por exemplo no último Golden Sun.

No entanto e apesar disso, jogar DQ VI no modo clássico não é nada que comprometa o desiderato final e ainda podem beneficiar do ecrã superior para obter um prolongamento significativo do cenário, com um quadro privilegiado sobre o terreno. Os botões L e R podem ser usados para rodar a perspectiva de jogo, oferecendo assim uma visão tridimensional do espaço ao redor das personagens. Algumas inovações, mas nada de muito relevante em termos de adaptação às características dominantes da DS enquanto portátil.

Mal abrem o jogo a primeira coisa que vos deixa maravilhados é o tradicional tema clássico da série desta vez num registo orquestral (créditos à orquestra sinfónica metropolitana de Tóquio), saído da batuta de Koichi Sugiyama (que ainda nos brinda com uma vertente áudio muito boa), estando lançado o mote para mais uma aventura épica. Como é apanágio dos jogos da série, o argumento ocupa um papel central e decisivo, na forma como penetra e se relaciona com o jogador, motivando-o para explorar mais e interagir com uma imensa lista de personagens. E este é um elemento que logo distingue esta série das demais. Uma linha e um pixel de DQ são suficientes para ganharem a outros jogos de role-play que arriscam o mesmo objectivo, mas sem atingirem o mesmo resultado.

Contudo, importa salientar que este é um jogo de role-play nipónico, arreigado à origem do género; onde fazer "grind" é obrigatório, ou seja, enfrentar imensos inimigos em combates aleatórios para aumentar o nível das personagens ou atribuir-lhes uma classe, para depois comprar equipamento mais eficiente, progredindo na direcção de mais uma porção de história e de novos inimigos. Esta aparente simplicidade que se traduz num ciclo e de mecanismos que se repetem do princípio ao fim, está longe de conviver com a natureza moderna dos jogos de role-play, particularmente com a ocidentalização do género, mais aberta a novas explorações. Porém, os fãs sabem do que falamos e os mais novos interessados em descobrir este género tão amado no Japão e muito popular em segmentos e nichos espalhados pelo mundo, encontrarão neste jogo um imenso fascínio, não apenas pela longevidade e pela forma como mantém o jogador interessado nas próximas sequências. Torna-se irresistível. E nisso acaba por pesar também o argumento e a concepção artística do inconfundível Yuji Horii, assim como o desenho das personagens, trabalho de Akira Toriyama (também notabilizado por criar as personagens de Dragon Ball). Horii quer sempre acrescentar temas que possam seduzir e levar o jogador a sentir-se encantado pelos mundos em presença.