Passione Rossa
Como a Ferrari continua a motorizar os jogos de automóveis.
A margem que se estende entre a dimensão virtual e a realidade é, por vezes, demasiado ténue. A criação de uma ilusão é de tal modo potente e avassaladora que ao cabo cria um cenário plausível, gerador de emoções e até desconfortos assim que os dois universos se aproximam. No entanto é esse o sinal mais recente; trocar a ordem e gerar total convicção sobre aquilo que vemos. De qualquer um dos dois vídeos produzidos pela Turn 10 e pela Polyphony Digital sobre o novíssimo Ferrari 458 Itália se poderia fazer um anúncio comercial da marca para promover o carro. Ninguém daria pela diferença. Poucos saberiam que não é um carro de chapa viva a passar no televisor a menos que repetissem o vídeo. Para muitos esta exacerbação da marca de Maranello nas grandes recentes produções de jogos de automóveis acaba por colmatar um sonho e uma certa paixão nutrida por aqueles bólides que não deixa de se concretizar. Os modernos televisores de alta definição facilitam a conclusão do sonho e quando se instala o poder de alta velocidade, selvagem e escapado de um “velho” motor V8, só dá para sentir melhor.
A Ferrari é um mito. Da vasta fábrica de Maranello os belos automóveis são construídos de forma cirúrgica e precisa, como se fossem relógios, para que nada falhe quando são postos dentro do seu habitat; na estrada ou numa pista de alcatrão macio. Enzo Ferrari, o fundador, entendia que era fundamental manter a qualidade, seja no processo de fabrico, seja nas características do carro. Só assim podiam entregar do melhor aos seus clientes: carros de série com total vocação desportiva. As palavras de Enzo Ferrari e todo o significado gerado em torno da marca italiana tiveram grande significado nalguns jogos, mas é algo que tem vindo a retomar sustentabilidade. No antro mais mediático e comercial os vindouros Forza 3 e Gran Turismo 5 consolidam essa atenção ao detalhe e à minúcia. Já lá vai o tempo em que só dava para ver os Ferrari passar na estrada, em filmes e séries ou aparcados diante de um conjunto assinalável de outras referências.
O passo mais significativo dado nesta indústria permite desde logo conhecer melhor os carros, vê-los em diferentes ângulos, através de uma sedução arrepiante e naquilo que muitos definem como a pornografia dos gráficos. A perspectiva do posto de condução encabeça a lista dos aspectos mais evoluídos, nalguns casos arrebatadora, deixando perceber os detalhes e sendo até a perspectiva eleita para disputar as corridas. A sensação de satisfação é imediata e atinge-se pelo controlo da velocidade e da negociação das curvas. Ainda há não muito tempo nada disto era possível. Os “racers” só ganhavam em jogabilidade e o resto compunha-se com um mínimo de eficiência. Hoje, o avanço da tecnologia e das ferramentas ao dispor dos produtores permite ligar com outra desenvoltura as pontas e proporcionar uma “full coverage”. De tal modo que lá fora a Ferrari tem um digno de um simulador capaz de pôr à prova pilotos de teste e aspirantes a pilotos de monolugares de Fórmula 1.
Mas de que forma se tem vindo a materializar a passagem da marca do “Cavalo Rampante” pelos videojogos? Que jogos atribuíram particular primazia às mais belas e entusiasmantes produções de Maranello?
Binómio Ferrari descapotável e loira
Um dos jogos que atingiu mais mediatismo com um Ferrari na capa, pelo menos assemelhava-se a um Testarossa descapotável, foi Outrun, uma das produções de referência no currículo de Yu Suzuki. Outrun mudou o significado dos jogos de automóveis nas arcadas. Não só pelo conceito inexpugnável de vida bela, mas também pela própria cabine dinâmica. A caminho do final da década de 80 os produtores esforçavam-se por criar imaginários e representações. Não havia a mínima chance de captar realismos. E nesse desiderato Yu Suzuki acertou em pleno, colhendo um ambiente vasto e com partida à beira-mar, para aquilo que seria uma viagem de automóvel, um descapotável, ao longo de pontos emblemáticos do planeta, contando com o privilégio de uma companhia feminina. Para miúdos e adolescentes era admirável, imagem ícone dos anos oitenta. Pelo menos algumas séries televisivas e filmes fomentavam o apetite.
Embora o carro se assemelhe ao emblemático e poderoso Testarossa, na época os produtores não lograram qualquer espécie de acordo com a Ferrari para garantir a devida utilização do nome e marca. Mesmo assim ficaram alguns sinais indisfarçáveis, como o símbolo de um cavalo na parte posterior, a silhueta do veículo, farolins e aquele vermelho inconfundível. Aos olhos comuns não enganava.
Yu Suzuki revela que o filme “The Cannonball Run” serviu de rastilho para o desenvolvimento do jogo e não passou muito mais tempo até ter efectuado um périplo pela Europa a fim de descobrir novos cenários e localizações emblemáticas. Mas como é que surgiu o interesse pelo Ferrari?
Um dos carros mais badalados era sem dúvida o V12 Testarossa. Numa entrevista à revista UK Retro Gamer disse que a primeira vez que viu um Ferrari foi no Mónaco e ficou espantado com a beleza. Pensou incluir outros carros desportivos no jogo mas acabou por optar pelo Ferrari: “Não há escolha. Este é que é o verdadeiro”. Porém, quando chegado ao Japão para começar a desenvolver o jogo deparou-se com a falta desse mesmo carro. Poucos foram vendidos para o Japão, por isso foi custoso até encontrarem um proprietário que se oferecesse para colaborar com o fornecimento de detalhes e outros dados imprescindíveis. Superado o obstáculo não faltaram fotografias e até gravaram o barulho do motor.