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Silent Hill: Downpour - Análise

O terror está de volta.

A série Silent Hill, originalmente criada por Keiichiro Toyama, é indiscutivelmente uma referência dentro do género "Survival Horror". Eu ia começar por dizer que tem sofrido uma espécie de luta existencial nos últimos anos, mas a verdade é que essa luta tem sido transversal ao próprio género, e não apenas à série Silent Hill. Digamos que este suposto género se inclinou mais para os aspetos de ação, deixando o fator horror para segundo plano. De forma comum é dito que se "ocidentalizou".

Existem vários motivos para explicar esta transformação, como o tamanho de cada mercado e a necessidade de agradar a vários tipos de jogadores. No entanto, o importante é que no campo dos ditos "triple A", o verdadeiro horror há muito que anda desaparecido. O próprio termo "survival horror" é uma conveniência dos videojogos, como se o survival representasse as mecânicas (maioritariamente o combate), e o horror representasse a narrativa. E é exatamente na importância que cada um destes elementos tem para a própria definição do género, que reside grande parte da controvérsia sempre que se fala em "Survival Horror".

Como temos sempre imensos jogos de ação para jogar durante todo o ano, todos os anos, e de vários tipos diferentes. Faz sentido olhar para Silent Hill fundamentalmente como uma obra de terror. Claro que os elementos técnicos e as mecânicas são importantes, mas neste género, o fundamental são os contextos. As situações capazes de provocar um sentimento intenso de medo (horror), através de coisas como o mistério, a surpresa, a dúvida, o irracional, jogar ao nível da psicologia do jogador, ultrapassando o mero campo dos sentidos.

É exatamente neste aspeto, que mais uma vez Silent Hill não corresponde às expectativas. Apesar do enorme cuidado da Vatra em recriar um ambiente estético a roçar o grotesco, apesar de vários momentos de tensão e uma linha narrativa bem construída, Downpour é um jogo desconfortável, oferece alguns sustos ocasionais, mas não chega ao terror, não atinge o sentimento mais intenso de medo, estado no qual o indivíduo já não consegue pensar de forma racional.

O protagonista é Murphy Pendleton, um completo desconhecido na série e cujo passado e motivações apenas vamos conhecendo ao longo do jogo. As únicas certezas que temos acerca de Murphy, é que ele é um condenado que se encontra detido a aguardar transferência para outro estabelecimento prisional. Sabemos também que algo de muito errado aconteceu no seu passado, nomeadamente com a sua própria família, e por motivos desconhecidos, Murphy procura vingança.

Após um tutorial que nos deixa ainda mais confusos acerca da verdadeira natureza de Murphy, somos então transferidos numa daquelas camionetas prisionais típicas dos filmes Americanos. Para completar o cliché, a viatura despenha-se algures na viagem, o que nos leva a uma zona diretamente a sudeste da cidade de Silent Hill, uma área turística nunca antes explorada nos jogos da série.

Com as estradas e saídas convencionais cortadas, Murphy é obrigado a procurar outras alternativas para fugir dali. Acreditando que é o único sobrevivente do acidente, procura primeiro chegar ao centro da cidade de Silent Hill propriamente dita, para depois encontrar uma forma de escapar sem atrair atenções. No entanto, à medida que vai mergulhando na cidade, é forçado a confrontar os seus próprios demónios.

Este Downpour mantém o foco na componente de ação, mas aposta também em características passadas da série, como a exploração dos ambientes. Os jogos da série Silent Hill sempre se focaram imenso no fator exploração. Isto é verdade não apenas quando pensamos na exploração dos ambientes da cidade, mas também na exploração da mente e psique do jogador. O problema é que inicialmente não tendo qualquer tipo de background emocional com Murphy, nenhum mistério que nos incentive a explorar tudo até ao ínfimo pormenor, o envolvimento com o contexto torna-se difícil.

Nota-se um esforço da Vatra em proporcionar momentos de tensão à medida que exploramos os espaços, mas é tudo demasiado previsível. Temos alguns sustos ocasionais como corvos a quebrar janelas ou ramos de uma árvore a rachar, segmentos em que temos que praticar equilibrismo, zonas sem visibilidade, chuva, corredores infinitos, explosões, enfim, um monte de elementos desenhados para nos colocar em tensão, mas isso infelizmente não é tudo num survival horror, os ambientes não estimulam o imaginário, é tudo demasiado explícito.

O desconhecido é sempre intrigante e assustador, o impulso humano em saber, em entender para se adaptar. Este foi um dos aspetos que fez de Silent Hill 2 um clássico no género, e é algo a que a série não tem conseguido recriar da melhor forma nos últimos títulos. É verdade que os edifícios que vamos encontrando são estranhos, os objetos parecem deslocados, e as raras pessoas que encontramos parecem agir como se a realidade à sua volta fosse completamente diferente da nossa. Ainda assim, o ambiente está longe de se assumir como o inimigo principal do jogo, já referi isto na antevisão, se vos perguntassem quem era o inimigo principal em Silent Hill 2, o que é que vocês diriam? O inimigo era própria cidade de Silent Hill.