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The Last of Us - Análise

Viver é procurar sentido para continuar vivo.

Existem coisas que são centrais num videojogo que procura recriar um cenário pós apocalíptico hostil, exemplos como a fidelidade do meio, a credibilidade das personagens ou a história que justifica a nossa condição, todos requisitos para uma experiência verdadeiramente imersiva. Mais importante ainda, é fazer o jogador sentir que está em desvantagem perante o mundo (ou jogo neste caso), retirá-lo da sua zona de conforto.

A Naughty Dog sabe-o bem, sabe que o segredo dos "survival games" está no ténue equilíbrio entre o poder do protagonista e as forças que este enfrenta. Isto não é um pormenor, para dar um exemplo, pensem no melhor survival horror que conhecem. Agora imaginem jogá-lo com vida infinita e uma bazuca, não teria o mesmo efeito a nível emocional porque independentemente da atmosfera, do som ou do poder dos inimigos, nós sentir-nos-íamos invencíveis.

É exactamente aqui, na fragilidade que Joel e Ellie evidenciam em comparação com o mundo por detrás das linhas defensivas da zona de quarentena, que está o segredo para a imersão em The Last of Us. Tecnicamente é um colosso, um exemplo de polimento e detalhe, no entanto, convida-nos a entrar na disposição emocional e leva-nos a picos que raramente sentimos na história deste media. Começa logo pelo prólogo, que jamais me atreveria a revelar, apenas direi que é muito forte e nos dá uma clara ideia de como o jogo pretende evoluir narrativamente.

O mundo encontra-se literalmente "virado do avesso", vinte anos após o surgimento de uma variação humana do fungo conhecido por Cordycep. Uma escolha bastante interessante da Naughty Dog para inspiração, o Cordycep é um tipo de fungo que ataca vários insectos na terra, afectando principalmente as espécies mais numerosas, para que nenhuma se torne dominante dentro do seu ecossistema.

Podem vê-lo como uma forma da natureza forçar o equilíbrio da vida na terra, e tendo em conta que nós humanos enquanto espécie continuamos a proliferar e extinguir outras espécies no processo, não é difícil colocarmo-nos num cenário fantasioso onde uma variante mortal de qualquer vírus nos "coloque no lugar".

Depois de infectado, o sujeito tem apenas algumas horas até perder praticamente todas as características que o tornavam humano, a sua agressividade torna-se latente, vai perdendo a visão e desenvolvendo um sistema de ecolocalização que torna o silêncio precioso. Eventualmente a mutação infecciosa acaba por se desenvolver para o exterior do sujeito, acabando por explodir, matando-o e largando esporos minúsculos que contaminam quem os respirar.

"“…o segredo dos “survival games” está no ténue equilíbrio entre o poder do protagonista e as forças que este enfrenta."

Por esta altura grande parte da população humana está morta ou infectada, e os restantes grupos de pessoas dedicam-se a pilhar e a matar pelas réstias de recursos que ainda existem. Não há produção industrial e por isso tudo é raro, o combustível acabou, os pneus dos carros secaram e a unidade monetária deste tempo são as preciosas senhas de refeição que permitem às pessoas viver mais um dia. São tempos assustadores, onde o próprio mundo desconhecido lá fora é o antagonista principal.

A maior parte dos caminhos está cortado, ou por pontos militares, ou por amontoados de sucata, ou pela própria arquitectura que acabou por ruir sobre as estradas. As passagens de zona em zona acontecem sempre por caminhos pouco convencionais, por túneis, telhados, ou pelo interior das ruínas de uma outrora próspera civilização. O detalhe de cada zona é impressionante, esteticamente é uma fantástica reprodução do que uma zona abandonada deve ser, e tecnicamente é do melhor que esta geração tem para oferecer.

Lembro-me de passar por determinadas áreas e pensar, "eles não podem ter animado todo o interior daquele autocarro sem colocarem lá nada para apanhar", lá ia eu cuidadosamente investigar e, nada, "como te atreves jogo em não me recompensar por estes 50 metros?" A quantidade de detalhe não tem a ver com o que o mundo nos está disposto a dar, mas com a credibilidade que lhe empresta, os recursos são escassos de facto, o jogo força-nos a senti-lo.