Tomodachi Life - Análise
Uma ilha para habitar.
Depois do sucesso estrondoso de Animal Crossing: New Leaf no ocidente, houve quem dissesse que estavam reunidas as condições para a localização e lançamento de Tomodachi Collection: New Life no nosso território. Mas enquanto o tempo passava sem uma confirmação, essa possibilidade parecia algo difícil de acontecer, até que em Abril passado a Nintendo anunciou que Tomodachi Life, exclusivo 3DS, chegaria ao ocidente. Pese embora alguma confusão inicial acerca do seu conceito na mente de jogadores pouco conhecedores ou desconhecedores da série (lembramos que no Japão, Tomodachi Collection: New Life é o segundo jogo depois de uma primeira edição para a DS), também é verdade que este é capaz de ser dos jogos mais irreverentes e fora dos géneros mais comuns que conhecemos da Nintendo, daí a dificuldade que alguns jogadores tenham sentido em apreender o seu conceito.
É um simulador da vida real? É um Animal Crossing mas que em vez de mostrar ternurentos animais apresenta os Miis? Em bom rigor, não é bem uma coisa nem outra mas também não deixa de recrutar desses géneros certas influências e elementos. De todo o modo, Tomodachi Life é um jogo deveras invulgar e que no fim mais parece uma "director's cut" da vida que projectamos para a nossa e outras personagens. No fundo estamos diante de um jogo que empresta um novo alcance aos Miis. Importa não esquecer que por detrás da produção de Tomodachi Life estão Yoshio Sakamoto e Ryutaro Takahashi, produtores que encabeçam diferentes gerações no seio da Nintendo e trabalharam em projectos tão distintos mas também comuns, especialmente neste capítulo dos Miis, uma espécie de nossos alter-egos, que somos levados a criar assim que abrimos uma conta de utilizador na 3DS e na Wii U.
Recentemente, Tomodachi Life ganhou mais alguma publicidade no ocidente após a inauguração da polémica relacionada com a inexistência de casamento gay e relacionamento amoroso entre personagens do mesmo sexo. Uma vez que no Japão a versão do jogo não permite que Miis do mesmo sexo casem e se relacionem amorosamente, não seria de esperar outro desiderato na versão ocidental, que aliás contou com pequenos ajustes em função do território. Mas o certo é que esta polémica acabou por publicitar o jogo e dar uma ideia vincada a muitas pessoas que desconheciam o seu conceito. Ao slogan mais incisivo e abrangente sobre o seu núcleo - "tudo pode acontecer" - que prova ao mesmo tempo a irreverência e singularidade presentes em Tomodachi Life, juntou-se a ideia que é também um ponto de partida para a experiência: o relacionamento do jogador com os Mii's e sobretudo destes entre si, num espaço paradisíaco, fechado e pleno de atracções.
Mas um olhar atento às imagens do jogo é mais do que suficiente para dar uma ideia do que é Tomodachi Life. Aquando da antevisão que aqui publicamos, referimos que Tomodachi quer dizer em japonês, amizade. É uma palavra muito semelhante a Tamagochi e embora este jogo envolva uma interacção com os Miis ao ponto de lhes dar comida e coisas que eles querem para o seu bem-estar na ilha, o principal objectivo neste jogo é mais do que uma rotina. É promover um ambiente saudável, onde todos se sintam bem. Essencialmente, o jogador contribui com pequenas acções diárias para aumentar a felicidade de cada Mii residente na ilha, através de indicações sobre as amizades, mas também comprar roupas para os Miis, mudar o interior dos apartamentos (são todos T1) e levá-los à feira de diversões, à praia, à praça central onde são efectuados donativos, à sala de espectáculos, etc. Esta é uma vida de fantasia e o jogador opera como um realizador que define o trajecto para cada um dos Miis, embora o ponto comum entre todos seja a felicidade
Além disso, Tomodachi Life é um jogo que apresenta um design muito particular, com espaços centrais criados em 3D, embora simples mas fortalecidos em termos de representação no ecrã estereoscópico, enquanto que em situações de particular interacção com os Miis parece existir uma recuperação do aspecto marcante dos primeiros WarioWare, sobretudo em certos mini-jogos, como a mão real que retira impurezas do rosto das personagens ou insectos presos à sua roupa. Facilmente distingue-se de quase todas as propostas que de alguma forma se interlaçam nos seus elementos e esse acaba por ser um bom ponto de partida.
Tomodachi Life, tal como Animal Crossing, não apresenta uma história ou um arco narrativo. O jogador é que ao longo do tempo que dedica ao jogo, acaba por fazer o seu filme e por criar uma história para os residentes da ilha. Ele é o realizador e os Miis estão diante de si como peixes num aquário ou como marionetas num palco. A primeira coisa a fazer é dar um nome à ilha, o espaço central, e depois disso começar a importar os Miis, através de um processo prévio que envolve a criação de personalidade, algo que imediatamente define o seu perfil, mas também editar outros parâmetros como o tom de voz, idade e a forma como se expressam.
Na prática, existem 16 possíveis tipos de personalidade que podemos atribuir aos nossos amigos, a figuras conhecidas, a estrelas, pop-stars, familiares, etc. Tudo o que é Mii encontrado através de um código de realidade aumentada pode ser importado para o jogo. Só para dar uma ideia, no meu bloco de apartamentos (há um número limite de Miis residentes, 24) residiram, entre outros, os Miis de Steve Jobs, Angelina Jolie, Estaline, The Joker, Jon Hamm, Madonna, Beyoncé, Chuck Norris e Darth Vader, e foi curioso observar como em função dos seus perfis que elaborei para cada um (nalguns subverti totalmente os dados) eles criaram ligações entre si. Nalguns casos o que começou por ser uma relação de amizade, passou para casamento, do qual apareceram os bebés que mais tarde se transformam em exploradores. Curioso como o jogo até arrisca e dá um palpite sobre a definição facial e traços gerais de um criança que é fruto de dois Miis que não julgávamos juntos, pelo que esse é também um lado surpreendente e simultaneamente divertido.
Outra das características de Tomodachi Life é que não sela em definitivo certas opções. Por exemplo, para cada Mii é deixado em aberto a possibilidade de proceder a alterações, da sua personalidade, voz e até mesmo da idade. Além disso, a dimensão punitiva não é tão grande se deixarem vários dias algum Mii à fome, sem um pedaço de comida no estômago ou se falharem uma gravação, neste caso com a única consequência a ser a perda do progresso acumulado. Felizmente, o ecrã táctil mostra o mapa da ilha e assinala os pontos relevantes, as atracções, estando bem identificado na base do ecrã o botão de gravação.
Sem o controlo directo sobre uma personagem, a interacção faz-se toda por uma série de quadros e opções disponíveis em pequenas janelas (ícones), muitas delas colocadas ao lado de cada personagem quando se encontra no seu apartamento, ou tocando nos balões de conversa (identificados por sinais que revelam convulsão, uma expressão ou outro estado de alma). Podemos até ir mais longe e tocar na testa do Mii, indo ao encontro daquilo que estão a pensar, mas também podemos tocar na barriga e verificar se o estômago se encontra vazio. Podemos também fazer festas nos Miis e observar como reagem.