Trazer Lan Di à justiça
Dez anos de Shenmue e sobre o seu futuro.
Não é por acaso que nas últimas semanas tem havido um burburinho em torno de Shenmue, uma das realizações mais mediáticas de Yu Suzuki, ele que é um dos fundadores da cena arcade. O falatório deve-se à entrada de Shenmue para o roteiro dos dez anos de existência (se considerarmos o périplo que se estende desde o Japão à Europa), mas mais que isso, um novo episódio com nome da série está prestes a rebentar nos telemóveis dos nipónicos. Não é Shenmue 3, a continuação que muitos pedem. É Shenmue Gai (World ou City na tradução).
Quem acompanhou os dois jogos de fio a pavio para a Dreamcast no começo do milénio conhece que a obra terminou abruptamente (há sempre um certo culto que se apodera de alguns artistas quando deixam obras por acabar), atirando o terceiro episódio para as malhas do limbo, ao mesmo tempo que Lan Di, o vilão, continuou fora do cerco da justiça, bem como muitos segredos e mistérios que ficaram por revelar. Shenmue estava programado para ser uma obra com várias continuações, mas os insuportáveis custos de produção ao fim de dois episódios não encontraram almofada nas receitas oriundas da comercialização. Para infortúnio dos fãs, a Sega fechou a saga de Ryo Hazuki.
Ryo Hazuki tem objectivo por vingar os acontecimentos da tarde do dia 29 de Novembro de 1986, o dia em que nevou na localidade de Yokosuka e quando homens de preto liderados por Lan Di – este envergava uma indumentária chinesa -, cercaram o pai do protagonista no seu Dojo, obrigando-o a entregar um espelho (artefacto misterioso). No final da cena introdutória, Hazuki Sensei perde a vida diante do filho. É o ponto de partida para uma demanda intensa, longa e ancorada em elementos predominantes noutros géneros, mas cuja aplicação no mundo aberto de Shenmue provocava uma particular admiração. Ryo embarca assim numa viagem que perpassa algumas localidades marcantes do Japão, antes de aportar em Hong-Kong para a segunda parte da jornada.
Shenmue vive melhor na memóra dos fãs. Voltar a percorrer o jogo praticamente dez anos depois destaca também as inconsistências e sobretudo limitações do jogo quando comparado com as actuais produções que promovem mundos abertos, mas é também indisfarçável o lado que mais agradou aos fãs; como era especial e único em termos de ambiente e exposição, num mundo que vivia a passagem dos dias. Ryo Hazuki está embrenhado na cultura tradicional nipónica (o jogo é quase um revisitar de hábitos). É na raiz geográfica e em todo o seguimento na perseguição a Lan Di, por situações apertadas e conflituosas que se faz Shenmue e se promove o sentido argumentativo e contextual sendo esse o maior destaque perante as escassas margens de interactividade. Na verdade gasta-se a maior parte do tempo no encalço de pistas e diálogos para chegar à próxima cena animada.
Os mini-jogos e os salões arcade da SEGA onde era possível utilizar máquinas como Super Hang-On, Space Harrier e Out Run, faziam as delicias do protagonista que se servia de uns ienes para activar as máquinas. Para o jogador era uma prova de nostalgia esgotar algum tempo nos clássicos salões.
Igualmente fascinante em Shenmue era interagir com pessoas que circulavam pelas ruas, conversavam entre si e qualquer abordagem adensava sempre um pedaço de mistério em função da reacção, nem sempre tolerante. Todas as tentativas de dialogo de imediato recebem atenção, através de um zoom efectuado ao rosto. A expressividade das personagens era já sem si um grande valor. Em termos visuais, Shenmue nem envelheceu mal. A transição entre o dia e noite é assinalável à medida que as luzes ocupam espaço a partir do momento em que o relógio do canto inferior direito assinala as seis da tarde. Além disso há uma grande diversidade de espaços, desde restaurantes a lojas, passando por outros serviços, zonas que espelham muitos hábitos, costumes e uma identidade de um povo.